sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Depois, deitou completamente vestido, de bota e tudo, do lado da cama que ficara exposto pela sua obra com as cortinas. Suou muito, literalmente, para evitar sequer tocar na nuvem de tecido que a protegia»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Me poupar? Não tem como evitar o escândalo, seja quem for, se souberem que estávamos nós dois sozinhos. A sua posição só me dará mais visibilidade. Esse tipo de escândalo é o de menos. Na verdade, seria melhor se o magistrado visse o que aconteceu como uma confusão de amantes. Porque quando ele souber que é filha de Horatio Kelmsleigh, vai pensar que conseguiu achar uma forma de se encontrar aqui comigo para me matar e vingar o seu pai. Ela quis rir daquela previsão tão dramática. Só que, num ápice, viu a sórdida cena através dos olhos do estalajadeiro. Lord Sebastian estava certo. A sua identidade proporcionaria uma interpretação diferente, muito pior, dos acontecimentos da noite.  O pensamento deixou-a enjoada. Nunca deveria ter saído da obscuridade segura que encontrara na casa de Daphne. Nunca deveria ter-se rebelado contra a reviravolta infeliz que a vida dera, ou ser estúpida a ponto de achar que conseguiria alterar o curso do destino. Lord Sebastian apontou para a cama.
Não temos forma de saber quando chegará. Vamos arrumar tudo para conseguir descansar um pouco com privacidade enquanto eu planeio a melhor maneira de evitar que seja levada por tentativa de assassinato. Ele fechou as cortinas da cama com o braço bom. Depois levantou a bainha de um lado e pô-la a meio da cama para formar um túnel, estreito mas decente, para lhe proporcionar alguma privacidade. Entre, miss Kelmsleigh, e tente dormir. Não a incomodarei. Está em perfeita segurança. Ela observou demoradamente a cama. E onde você ficará? Do outro lado da cortina. Seria perfeitamente inconveniente. Nós já passamos da fase das conveniências, não acha?
Fez uma careta de resignação. Envolveu-se no xaile, levantou um canto da cortina e desapareceu por trás dela. Estavam aprisionados, de todas as maneiras, e não havia espaço para cerimónias. Ele não podia passar a noite sentado na cadeira com aquele braço e provavelmente também não permitiria que o fizesse cedendo a cama a ele. Deitou-se de lado, encolhida, e fechou os olhos. Apesar da exaustão, seu corpo parecia a corda esticada de um arco. Não parava de ouvir os pequenos ruídos da movimentação dele no quarto.
Em seguida, afundou-se no colchão, do outro lado da cortina esvoaçante. Sentiu a presença dele aquecendo-a, apesar de não se tocarem em parte nenhuma. Tentou dormir. Era impossível. Ele estava logo ali. Imaginou aproximando-se dela e... A ideia deixou-a chocada. Assim como a reacção de seu corpo. Tentou dirigir os pensamentos para outras coisas, para a mãe e Sarah, para o pai. Até para Roger. Nada daquilo foi de grande ajuda. Em vez disso, a intimidade da situação saturava o quarto, tornando-se impositiva. Era pior do que estar numa carruagem apinhada de estranhos. Nessa situação podia fingir que eles não estavam lá e ignorar a proximidade física, que em qualquer outra ocasião seria malquista. E todos continuavam a ser estranhos uns aos outros, mesmo se algum gostasse de falar, porque a conversa não era sobre nada importante. No fim da viagem desapareciam, assim como a intimidade, como se nada tivesse acontecido. Lord Sebastian não desapareceria. De manhã teria de enfrentá-lo e não podia fingir que nada daquilo ocorrera. Também não era nenhum estranho, e a conversa dele tratara de coisas muito importantes. E ele a havia beijado. E ela permitira. Era aquilo que a deixava verdadeiramente assustada e, sim, na expectativa. Dera motivos para pensar que se ele se aproximasse poderia não se importar. Era isso que aprofundava aquela consciência que tinha do corpo que estava ao lado, ali, daquela forma tão escandalosa, alarmante, permanente.
Ele também não dormiu. Sabia. Por isso não se atreveu a se mexer. Nem um pouquinho, a noite toda. Sebastian esperou quinze minutos sentado na cadeira de madeira com o braço latejando. Depois, deitou completamente vestido, de bota e tudo, do lado da cama que ficara exposto pela sua obra com as cortinas. Suou muito, literalmente, para evitar sequer tocar na nuvem de tecido que a protegia. Simplesmente descansar o ombro e o braço ajudava. Ou talvez ter uma presença feminina tão perto o distraísse do ferimento. Assim como a maioria dos homens, talvez mais do que a maioria, tendia a ter fantasias sensuais. Sorriu pesarosamente ao notar que por dentro sinais de excitação o excitavam, só de ouvir a débil respiração dela. Que pena! Ali estava ele, vestido com casaco e bota, na situação mais casta que era possível criar em tal desastre, e ainda assim o corpo o incitava a especular sobre as possibilidades». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT