domingo, 19 de agosto de 2018

D. Pedro V e o seu Reinado. Júlio de Vilhena. «… afirmo que, nem quando estudei nas aulas, nem depois que exerço o magistério, encontrei um talento tão abalisado, uma aplicação tão constante, uma vontade tão pronta…»

Cortesia de purl

«(…) No governo, confirmado pelo novo Monarca, achavam-se o duque de Saldanha na Presidência do conselho e na pasta da Guerra; no Reino Rodrigo da Fonseca Magalhães; na Justiça Frederico Guilherme; na Fazenda Fontes Pereira de Melo; na Marinha visconde de Athoguia. Fontes tinha também a pasta das Obras Públicas, e Athoguia a dos Estrangeiros. Eram ainda os representantes da revolução, ou antes da revolta de 1851. E era com eles que o Rei tinha de governar, emquanto os factos não lhe aconselhassem ou impuzessem uma mudança de ministério. O primeiro acto, praticado por D. Pedro, foi a instituição da Caixa Verde. Dois dias depois da aclamação, aparecia na folha oficial este anúncio na última página do periódico:

O Camarista de Semana previne o Público que do dia 20 do corrente mês em diante, Sua Magestade El-Rei não receberá requerimentos, nem papéis alguns na rua, e que para este fim se mandarão no Real Paço das Necessidades, junto á portaria do antigo convento, colocar duas caixas para os receber; uma, pintada de azul, destinada aos requerimentos que tendam a obter socorros ou esmolas; outra, pintada de verde, para as súplicas dirigidas a outros fins. Igualmente se previne que todos os sábados as pessoas interessadas ali poderão ir receber o despacho das suas súplicas do meio dia ás duas horas da tarde. Paço das Necessidades, 18 de Setembro de 1855, conde de Linhares, Camarista de Semana.

Estava aqui a origem dos maiores dissabores que o Rei havia de ter por muito tempo, emquanto a Caixa não fosse retirada, e das desavenças constantes entre ele e os seus ministros. O Rei não despachava sem ler primeiro os decretos, demorando, por vezes, alguns para os estudar, pedindo informações que o habilitassem a dar uma referenda concienciosa. Dez dias depois de ter principiado o seu governo escrevia D. Pedro a Rodrigo da Fonseca:

Como ontem ao despacho não houvesse o tempo para lê-lo (um regulamento) e como eu não quero poder acusar-me de ter assinado um papel sem o ter lido, fiquei com ele até esta manhã; que só agora achei o tempo para lê-lo.

E a Saldanha dizia:

Eu não desejo autorisar medida alguma que eu não tenha estudado. Desejo sempre estar seguro e em plena consciência do que faço.

A Caixa Verde funcionava sem novidade. Em 25 de Setembro dizia D. Pedro a Rodrigo:

Entre os papéis que hoje recebi da Caixa achei uma representação sobre a gerência administrativa da Santa Casa da Nazaré. Se os factos são verdadeiros merecem algum remédio, sobretudo o corte de pinhais de que nela é acusada a Administração.

Faria Rodrigo obra pelas denúncias anónimas lançadas na Caixa Verde? Não é de crer. A maior parte dos decretos vinham glosados pelo Rei. Os dois de 28 de Novembro, um aprovando os novos estatutos dos sócios do Montepio das Secretarias do Estado e outro a Caixa de Socorros Mútuos voltavam acompanhados de comentários feitos por seu punho. Esta interferência activa do Rei nos negócios públicos, o desejo de os estudar, provinham principalmente da educação que recebera. O Rei, era na sua principal feição, um escolar, trabalhando no seu gabinete e tendo prazer no esforço da sua inteligência. Aos dezoito anos sabia tudo, porque muito lhe tinham ensinado e muito também tinha aprendido nos livros, nas viagens e no trato com os homens eminentes do seu país.
Deixando a mestra dona Maria Carolina Mishisch, fora em 5 de Agosto de 1847, aos 10 anos, entregue aos cuidados de Martins Bastos que lhe ensinou latinidade. Dirigiu-lhe toda a educação o visconde da Carreira, como seu aio, e cujos serviços D. Pedro retribuiu com a maior dedicação. Entregue ao compêndio de gramática latina do padre António Pereira, deu logo a primeira lição, sabida na ponta da língua, no dia 11 de Agosto. Já no meiado de Outubro, decorridos apenas dois meses de gramática, D. Pedro estava a braços com o Eutropio e com o Phedro. O professor extasia-se perante a inteligência do aluno e escreve:

… afirmo que, nem quando estudei nas aulas, nem depois que exerço o magistério, encontrei um talento tão abalisado, uma aplicação tão constante, uma vontade tão pronta, uma índole tão dócil, uma gravidade e modéstia que se lhe possa assemelhar, de modo que mais parecia um homem de edade madura do que um menino de nove anos e dez meses».

In Júlio de Vilhena, D. Pedro V e o seu Reinado, DP 664 V55 610415, 4 de 07 de 1955, Academia das Ciências de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.

Cortesia da AC de Lisboa/JDACT