sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Na verdade, não pensara nem um pouco nelas. Agora, estava uma ao seu lado numa cama, num quarto onde não deveriam estar juntos e sozinhos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Pior, com aquela imobilidade toda, tinha a certeza de que ela também não dormia. Nenhuma mulher com um beijo tão puro conseguiria descansar tendo um homem no mesmo quarto, muito menos a um centímetro de distância, do lado de lá de um pedaço de tecido.  A mesma pureza indicava, claro, que quaisquer especulações seriam uma idiotice. Sem mencionar que o braço mal se mexia. Forçou a sua mente a se desviar do tecido e da mulher que estava por trás e que ajudava a aquecer a cama tão bem. Fixou o olhar para baixo, para as botas, no fogo baixo, até aquele calor delicioso no sangue se extinguir. Sem distracção, o braço começou novamente a latejar como um tambor do inferno. Os pensamentos processaram a rapidez com que a noite se transformara numa catástrofe. Admirava a coragem de miss Kelmsleigh de se atrever a se encontrar com Dominó, mas uma boa dose de irritação fervilhava na sua cabeça ao rever os acontecimentos da noite. Se tivesse ficado quietinha em Londres, como qualquer outra mulher, ele poderia ter conseguido executar o plano, e saber a verdade acerca da conspiração do Gabinete do Material. Teria sido agradável poder oferecer uma resolução ao irmão. Em vez disso, ia ser um inferno.
Em nenhum momento deixou de reparar na presença dela ao seu lado. Provavelmente ela também não se esqueceu de que ele estava ali. Um estado de alerta mútuo afectava o ambiente do quarto. De nada servia reconhecer a sua existência, nem o quanto os acontecimentos que a noite havia criado acentuava a intimidade forçada. Tampouco serviria pensar nos beijos. Mas a presença dela, palpável, persistia em trazê-los à sua mente, para repetido desconforto do corpo. Presumira que era experiente no jogo quando começara a brincar com ela. Erro seu, como em várias outras suposições da noite. A surpresa e o assombro dela haviam cativado demais. Arrastando-o. Aparentemente, inocência conseguia ser muito apelativa. Aqueles beijos o encantaram e não os esqueceria durante um longo tempo. Ela o distraíra tanto que o verdadeiro Dominó já estava no meio do quarto quando um dos dois percebeu que já não estavam a sós.
Tentou recordar o que conseguia sobre o intruso, mas tudo se resumia a um borrão indefinido de instinto e defesa. Via apenas o chapéu, escuro, baixo, com uma aba larga. Suspeitava, mas não tinha certeza, de que o homem que comprava cerveja quando ele questionara o estalajadeiro estava com um chapéu como aquele. Se aquele homem fosse o Dominó, teria ouvido as indicações para o quarto sem que ele mesmo tivesse que pedir ao estalajadeiro. Por mais que tentasse se sentir irritado com ela, durante as horas em que ficaram à espera não conseguiu. Os beijos tinham muito a ver com aquilo. Também simpatizava com o desejo dela de limpar o nome do pai. Compreendia o amor filial e os sacrifícios que podia requerer. Devia admitir que a sua imprudente missão era justificável, mesmo tendo sido em vão. Horatio Kelmsleigh não gerara um filho que lutasse pelo seu nome, por isso um filha havia assumido o papel.
Começou a pensar naquilo que sabia acerca da família do homem, além do que descobrira naquela noite sobre Audrianna. Sebastian vira o funeral de Kelmsleigh, enterrado em solo não consagrado devido ao suicídio. Tinham ido poucas pessoas. Um homem caído em desgraça tinha poucos amigos. Vira a viúva de vestido crepe preto. Estava acompanhada de duas moças. Uma a agarrava, ficando praticamente debaixo do braço da mãe. A outra estava a uma distância que já sugeria algum isolamento emocional. Ele estava um pouco afastado do pequeno grupo e, além do cabelo escuro, nada mais despertara a sua atenção nas mulheres. Fora espiar naquele dia por pensar que os outros conspiradores podiam estar presentes, como amigos ou colegas. Os poucos homens que se encontravam à volta da sepultura perceberam a sua atenção, não as mulheres. A perda daquelas mulheres não se limitara a um pai e marido. Os meses que se seguiram foram provavelmente difíceis ao nível financeiro e social para as Kelmsleigh. Na verdade, ele não se detivera sobre as consequências que a investigação e a morte pudessem ter para aquelas inocentes. Na verdade, não pensara nem um pouco nelas. Agora, estava uma ao seu lado numa cama, num quarto onde não deveriam estar juntos e sozinhos. Cruzou as pernas. Pensou se o juiz de paz seria sensato ou mesquinho». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT