quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Assim zombo de ti, sorte inimiga! Todo o triste que a penas vive afeito não chore, pois cantando é que as mitiga»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
À música
De um véu de nuvens finas, guarnecido
De ouro puro, se touca a tarde fria;
Do Céu foge ligeiro o frouxo dia,
A sombra envolve o vale desabrido.

Já sem pejo, por Délio ter fugido,
Solto a voz em demanda da alegria;
Quieto o vento nada respondia,
Entre as folhas e flores recolhido.

Cantei, cantei, até cansar do peito,
E conheci então como a cantiga
Produz contra o pesar mágico efeito.

Assim zombo de ti, sorte inimiga!
Todo o triste que a penas vive afeito
Não chore, pois cantando é que as mitiga.

Acordai, ternas aves, com meu canto!
Esposa de Titão, suspende o pranto!
Se ao filho querido
No peito enternecido
Crias de choro amargo ainda um tributo,
O rosto mal enxuto
Volve a mim, pois que faço hoje a saudade
Primeira saudação da claridade.
Lança os olhos celestes
Nestes campos agrestes,
Suprema Divindade, e reconhece
O asilo em que a minha alma desfalece.

Se males não vulgares
São, Titônia celeste, os meus pesares,
Olha de lá do Céu,
Esquecerás teu dano pelo meu.

Por mais que espalhes rosas matutinas,
Por mais frescas boninas
Que à madrugada o lindo prado ofereça,
Não há bem com que os males meus esqueça.

Em vão, submissa, a dura sorte imploro;
Insensível ao choro,
Aos ais que hoje derramo,
O Destino, que eu chamo,
Indignado responde aos meus clamores,
E cruelmente aos lábios meus aplica
A taça adonde encerra os seus furores.
Em vão queixoso explica
Meu peito em seus suspiros
Os danos meus às grutas, aos retiros:
Átis, se ouve, num tronco transformado,
Insensível se mostra ao meu cuidado;
Anaxarte, que a rocha ainda mais dura,
Não se comove à minha desventura;
O Tejo, que algum dia, se eu cantava,
Erguido sobre as ondas me escutava,
Hoje nem se enternece,
E ao som dos meus gemidos adormece.
Bem pode alguma Ninfa, comovida
De ver tão triste vida,
Contar a minha história com ternura
No bosque ou na espessura:
Os pastores, tão duros como as penhas,
Ao som da branda avena,
Comentam com um sorriso a minha pena,
Mostram mais que de feras ter entranhas».
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in Poemas de Alcipe’

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