quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Legado dos Templários. Steve Berry. «O meu marido disse que o senhor era capaz de encontrar uma agulha num palheiro. O livro que desejo já foi encontrado, só preciso que o compre»

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«(…) Os pensamentos de Malone oscilavam entre a curiosidade e a apreensão. Sabia que o melhor seria regressar à sua livraria e esquecer Stephanie Nelle, e o que quer que ela andasse a tramar. Os assuntos dela já não lhe diziam respeito. Contudo, também estava consciente que isso não iria acontecer. Algo se passava e não era coisa boa. Avistou Stephanie cinquenta metros mais à frente, na Verstergade, outra das compridas ruas que cruzavam o movimentado bairro comercial de Copenhaga. Caminhava numa passada decidida e apressada, e virou subitamente à direita e desapareceu no interior de um dos edifícios. Malone estugou o passo e viu a placa na porta HANSEN’S ANTIK VARIAT, uma livraria cujo proprietário fora uma das poucas pessoas que não o recebera de forma acolhedora. Peter Hansen não gostava de estrangeiros, em especial de americanos, e chegara mesmo a tentar impedir a admissão de Malone na Associação de Alfarrabistas da Dinamarca. Felizmente para si, a aversão de Hansen não se tornara contagiosa.
Os velhos instintos começavam a dominá-lo, sentimentos que tinham permanecido adormecidos desde que se retirara no ano anterior. Sensações que não lhe agradavam, mas que sempre o haviam motivado. Estacou a pouca distância da porta e viu Stephanie no interior da livraria, a conversar com Peter Hansen. Os dois recolheram-se mais para o interior da loja, que ocupava o rés-do-chão do edifício de três andares. Malone conhecia bem a disposição do interior, tendo no ano anterior estudado as livrarias de Copenhaga. Eram quase todas um exemplo da disciplina nórdica, com as estantes organizadas por assuntos e os livros cuidadosamente arrumados. Hansen, contudo, era mais informal, sendo a sua livraria uma mistura eclética de velho e novo, em especial novo, pois não estava para pagar muito dinheiro por aquisições particulares. Malone esgueirou-se para o interior e esperou que nenhum dos empregados desse pela sua presença e o chamasse. Jantara algumas vezes com a gerente da loja e fora num desses jantares que ficara a saber que não era a pessoa de quem Hansen mais gostava. Por sorte, ela não estava por perto e havia pouca gente em volta das estantes, não mais do que uma dezena de pessoas. Avançou com destreza até às traseiras onde sabia existirem uma miríade de compartimentos repletos de estantes. Apesar disso, não se sentia bem por estar a fazer aquilo. Afinal de contas, Stephanie ligara-lhe apenas para dizer que estava na cidade por umas horas e que gostaria de o ver. Mas isso fora antes do incidente com o homem da faca.
Agora estava demasiado curioso e desejava saber o que levara aquele homem ao suicídio. Não deveria sequer estar surpreendido com o comportamento de Stephanie. Sempre guardara as coisas muito para si própria, demasiado até, e isso havia por vezes gerado alguns confrontos. Uma coisa era estar em segurança a trabalhar num gabinete em Atlanta, outra bem diferente era andar no terreno. Era impossível tomar decisões sensatas sem boas informações. Viu Stephanie e Hansen numa pequena sala sem janelas que este usava como escritório. Já ali estivera da primeira vez que tentara travar amizade com o idiota. Hansen era um homem robusto com o nariz comprido e bigode grisalho. Malone posicionou-se atrás de uma fila de prateleiras repletas de livros e pegou num, fingindo ler. E o que a fez deslocar-se de tão longe por isto?, perguntava Hansen na sua voz arquejante. Está a par do leilão de Roskilde? Era típico de Stephanie, responder a uma pergunta com outra. Vou lá muitas vezes. Há muitos livros à venda.
Malone também conhecia o leilão. Roskilde ficava a trinta minutos a oeste de Copenhaga. Os negociantes de livros antigos da cidade reuniam-se de três em três meses para uma venda que atraía compradores de toda a Europa. Dois meses depois de abrir a sua loja, Malone havia ganho perto de duzentos mil euros no leilão com a venda de quatro livros que encontrara numa obscura venda imobiliária na República Checa. Aqueles fundos tinham-lhe permitido passar de trabalhador assalariado a empresário com uma vida mais calma. No entanto, também haviam gerado cobiça e Peter Hansen não escondera a sua inveja. Preciso do livro de que falámos. Esta noite. Disse-me que não teria problemas em comprá-lo, disse Stephanie num tom de quem estava habituada a dar ordens. Hansen soltou uma risada. Vocês americanos são todos iguais. Pensam que o mundo gira em vosso redor.
O meu marido disse que o senhor era capaz de encontrar uma agulha num palheiro. O livro que desejo já foi encontrado, só preciso que o compre. Pertencerá a quem fizer a melhor oferta. Malone estremeceu. Stephanie não fazia ideia do território perigoso em que estava a entrar. A primeira regra do negócio era não mostrar o quanto se desejava o objecto. É um livro pouco conhecido e que não interessa a ninguém, explicou ela. Mas pelos vistos interessa-lhe a si, o que significa que existirão outros. Basta-nos fazer a melhor oferta. E por que razão é este livro tão importante? Nunca antes ouvi falar dele e o autor é desconhecido. Exigiu explicações ao meu marido? O que quer dizer com isso? Que não é da sua conta. Adquira o livro e receberá a sua percentagem, como combinado. E por que não o compra a senhora? Não pretendo explicar-lhe os meus motivos. O seu marido era bem mais simpático. Pois, mas está morto». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT