sábado, 21 de setembro de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «De qualquer maneira, é uma história interessante. Naftali é uma gazela solta, disse Joel. Não foi isso que disse Jacob na sua oração quando morria?»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Saíram do prédio escuro e ficaram em frente a um grande casebre, coberto e com pisos de mosaico. Era ali que os barcos de pesca descarregavam o peixe, o que tornava o chão escorregadio. Os peixes, prateados, listrados, coloridos, eram separados em pilhas. À altura do nível da água, havia uma vasilha de pedra onde peixes ainda vivos ficavam por algum tempo. Foram caminhando pelo passeio de pedra que beirava o lago, na direcção norte, para longe de olhares curiosos. Era um caminho largo, muito usado, fazendo uma curva que acompanhava o lago oval. Você não é de uma família do lago, nem de pescadores, disse Maria, finalmente, como se fosse uma pergunta. Não, disse ele, olhando em frente enquanto falava. Minha família mora na Galileia há muitas gerações. Há, inclusive, quem diga que ficamos nessas terras durante todas as guerras. Os assírios alegam ter evacuado toda a população da região. Mas, obviamente, não o fizeram; se o tivessem feito, haveria tantos israelitas quanto assírios na terra deles. Não creio que quisessem repetir a experiência do faraó e ter sua população superada pela nossa! Sua voz era agradável, pensou Maria, e reflectia sobre suas palavras. O seu rosto era simpático e agradável para se olhar. Talvez..., talvez..., eu até venha a amar esta pessoa. Talvez ele seja como eu. Também há uma lenda sobre isso na minha família, disse Maria. Que pertencemos, ou pertencíamos, pois supõe-se que já tenham desaparecido, à tribo de Naftali, desta região. Logo ali, na curva, é onde fica a antiga cidade deles. De qualquer maneira, é uma história interessante. Naftali é uma gazela solta, disse Joel. Não foi isso que disse Jacob na sua oração quando morria?
Maria riu. É, e ninguém compreendeu o que ele quis dizer! Jacob também disse que trazia palavras bondosas. Joel diminuiu a passada. Espero pelas suas palavras, Maria. E espero que sejam bondosas para nós dois. Deixe o seu coração falar. Era tão directo! Será que não podiam caminhar um pouco mais, conversar um pouco mais? E como se podia ter essa conversa de uma maneira natural? Ajustou o lenço de sua cabeça, para ganhar tempo. Eu... Eu disse a meu pai que..., que aceitaria a sua oferta de se juntar à nossa família. Não foi exactamente isso que ofereci, disse ele. Você não pode dizer as palavras concretamente?
Não, não podia. As palavras não saíam de sua garganta. Palavras como casar, esposa e casamento estavam para além da sua força. Balançou a cabeça. Então, se você não consegue pronunciá-las, você não deve assumi-las. Parecia frustrado, mas resignado. Você também não pronunciou as palavras. Como ela, também ele as evitara. Pareceu desconcertado. Mas para seu pai, eu... Mas, para mim, tudo que você disse foi espero por suas palavras. Palavras sobre o quê? Ele sorriu. Você tem razão. Mas você não vai escapar, pois não tenho medo de dizer: quero que seja minha mulher. Quero ser seu marido e quero que sejamos uma família. Pronto. Falei. Um bando de crianças barulhentas surgira na curva do lago, correndo atrás uns dos outros e gritando. Por quê?, foi tudo que Maria conseguiu dizer. Porque, desde criança, sabia que não queria ser agricultor, como meu pai. Queria procurar o meu ofício, ter minha casa e minha família. Quando vi você, tive a certeza de que era a pessoa com quem queria partilhar a minha vida. Mas porquê? Ele praticamente nunca falara com ela. Como podia ter a certeza?» In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
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