segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O Manuscrito do Imperador. Valeria Montaldi. «Observe, meu senhor, disse, estendendo a mão para aflorar dois símbolos, tanto Plutão quanto Júpiter não fazem senão confirmar o vaticínio: rivalidade, perigo e talvez... Hesitou»

Cortesia de wikipedia e jdact

… destas cidades restará o vento que as atravessa… In Bertolt Brecht

Parma. 1248
«(…) Os Apuanos erguiam-se imponentes diante dele. Os cimos estavam cobertos por nuvens espessas, cinzentas como chumbo: impelidas por um vento gélido, iam se deslocando para leste. Do oeste, outra frente de nuvens, ainda baixa no horizonte, avançava lentamente para a costa. Voltou-se para o mar: à distância, a água parada dos paludes se misturava com a ressaca. No porto quase deserto, um único navio estava fundeado, e quatro barcos de pescadores ondulavam junto à margem. Uma rajada de vento o acometeu, levantando um redemoinho de poeira que o cegou. Frederico esfregou os olhos irritados e entrou de volta na tenda.

Marca Trevigiana. Março de 1249. Castelo de Solagna
Os reflexos da tocha dançavam nas paredes da sala, atenuando-se pouco a pouco na leve luminosidade dos primeiros clarões da alvorada. Sobre o piso de carvalho, estendia-se uma grande folha de papel de cânhamo na qual estava traçado um círculo dividido em 12 gomos: ligados por linhas intricadas como os fios de uma teia de aranha mal-sucedida, os signos zodiacais tinham sido desenhados na borda externa da circunferência. Paulo Bagdá observava-os em silêncio. As mãos morenas, afuseladas como as de um alaudista, afundavam-se no regaço, entre as dobras da veste. Os pés, calçados com preciosas babuchas de seda, despontavam sob as pernas cruzadas. Agachado diante dele, Ezzelino o fitava, impaciente. E então, impacientou-se, levantando-se de chofre, ainda falta muito para termos um vaticínio? O sarraceno ergueu os olhos. Meus lábios ainda não estão prontos para pronunciar o oráculo que está se formando na minha mente, senhor, respondeu, severo.
Intimidado a contragosto, Ezzelino o encarou e se acocorou de novo no chão. Com um suspiro, o astrólogo voltou a examinar a disposição dos planetas. Bem, começou, está vendo aqui a posição de Saturno e de Neptuno? Ambos lhe são hostis e pressagiam incerteza e acções que poderiam ser chamadas de irreflectidas. Por outro lado, Marte e Urano pareceriam propícios, desde que seja exercida a virtude da prudência. Oh, bem sei que, continuou, levantando a mão para parar a réplica irritada que estava prestes a sair dos lábios do seu patrão, depois que a sua decisão está tomada, o senhor não gosta de protelar, mas neste caso é necessário reflectir mais sobre o que fazer. Embora eu ignore o objecto da busca para a qual solicitou o meu parecer, posso dizer que os trânsitos que estão à sua frente falam claro. Até agora, uma indubitável competência lhe permitiu superar facilmente as adversidades, sua habilidade em alcançar os objectivos que estabeleceu está fora de discussão, o domínio sobre as situações mais arriscadas lhe pertence por instinto, mas de agora em diante o senhor deve prestar mais atenção.
Aqui, lê-se que está tomado por uma ilusão e que desejos incontrolados poderiam guiar as suas acções. Observe, meu senhor, disse, estendendo a mão para aflorar dois símbolos, tanto Plutão quanto Júpiter não fazem senão confirmar o vaticínio: rivalidade, perigo e talvez... Hesitou. Talvez ruína. Incrédulo, Ezzelino fitou o astrólogo. O sarraceno sustentou o olhar dele em silêncio. Depois recolheu a folha e enrolou-a. Pode ir, agora, disse Ezzelino, com voz incolor. Se eu ainda precisar de você, mandarei chamá-lo. Paulo Bagdá levantou-se, inclinou a cabeça numa saudação deferente e saiu. Ezzelino deu alguns passos inquietos pela sala. Chegou à janela, subiu o degrau escavado na chanfradura e olhou para fora. Logo abaixo dos muros do castelo fluía o Brenta: sombreadas pelas árvores, as duas margens estavam cobertas de seixos, e a corrente do rio, já cheia, reluzia aos raios oblíquos do sol ainda baixo no horizonte». In Valeria Montaldi, O Manuscrito do Imperador, 2008, Grupo Editorial Record, 2011, ISBN 978-850-108-703-4.

Cortesia de GERecord/JDACT