sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Bonus Rex ou Rex Inutilis. José Varandas. «A compreensão dos géneros, dos públicos-alvo, dos destinos sociais e culturais premeditados, da sua integração em ideologias predominantes ou minoritárias»

Cortesia de wikipedia e jdact

Sancho II de Portugal. Um Conspecto Historiográfico

Com a devida vénia a José Varandas

Do Conspecto…
«(…) A questão é fazer o ponto da situação sobre os conhecimentos existentes e fixados em torno daquele monarca. Como é que ao longo do processo historiográfico português, se foi edificando e transmitindo o conhecimento e a memória que hoje possuímos sobre Sancho II? Do que nos resta das fontes, da historiografia que as abordou e sobre elas estruturou informação, da forma como o ensino da história, nas suas várias épocas, tratou este rei, da imagem formada, clara ou distorcida, e propagandeada, destinada muitas vezes a cumprir objectivos actuais e que pouco tinham a ver com a rigorosa reconstrução da história, das diferentes obras e autores que sobre o rei capelo se pronunciaram, de tudo isto queremos falar, e com tudo isto pretendemos marcar um momento, o ponto actual sobre o estado da nação entre os anos de 1223 e 1248. Do que se escreveu sobre aquele reinado tudo deve ser percorrido com rigor e espírito crítico, procurando compreender essas obras à luz dos contextos em que foram criadas. A compreensão dos géneros, dos públicos-alvo, dos destinos sociais e culturais premeditados, da sua integração em ideologias predominantes ou minoritárias. A governação de Sancho II e todas as suas vicissitudes foram encaradas de diversas maneiras, sob várias abordagens, todas elas criadoras de uma imagem determinada do rei, que ocupa, hoje, no nosso imaginário colectivo, um lugar específico. Apesar do carácter fragmentário e esparso em que muitos desses textos se baseiam, da insuficiência qualitativa e quantitativa de muitas fontes, de orientações de pesquisa desfocadas ou insuficientes, da não existência de uma regesta documental daquele período tratada criticamente, o certo é que uma imagem se reteve na história dos portugueses e dos seus reis, e que no caso de Sancho II não é muito lisonjeira. A inutilidade governativa deste monarca e a sua aflitiva incapacidade para dirigir, a sua inexistência como líder, são como flashes constantes na historiografia portuguesa dos séculos XIX e XX. A tese do rex inutilis vingou e, se nalguns casos, poucos, mais recentes, o estudo da acção daquele monarca foi integrada em contextos mais abrangentes, associados a uma ideia de Crise, com carácter mais vasto e profundo e amarrada a um complexo cronológico mais dilatado aos dois reinados anteriores, a mensagem predominante ainda associa aquele rei a um período negro e infeliz da monarquia portuguesa, dominado pelo fantasma da incapacidade do Estado em se afirmar sobre o tecido vivo que o compõe.
Em 1209, na cidade de Coimbra, nasce o primeiro (são, também, filhos deste casamento os infantes Afonso, futuro conde de Bolonha e rei de Portugal, a infanta Leonor e o infante Fernando de Serpa; é neto, pelo lado materno do rei de Castela, Afonso VIII e de Leonor de Inglaterra) filho de Afonso II e de dona Urraca (infanta de Castela; filha do grande Afonso VIII, o herói cristão de Navas de Tolosa). Baptizado com o nome de seu avô, o infante Sancho será um dos monarcas mais infelizes da história portuguesa. Mal preparado para a governação de um país ainda em formação a sua subida ao trono ocorre, com pouco mais de treze anos (sobre a idade em que Sancho terá subido ao trono existem várias interpretações...; em relação à idade de 20 anos Montalvão Machado vem corroborar a tese de fr. António Brandão), a 25 de Março de 1223, data do falecimento de seu pai (a rainha dona Urraca tinha falecido três anos antes, em 3 de Novembro de 1220, tal como consta do Livro de Óbitos de Stª Cruz de Coimbra: ...Tertio Nonas Novembris obiit dona Urraca Portugalensis Regina filia Donni Alfonso Regis Castellae; era MCC.LVIII) e as circunstâncias não podiam ser piores. Naturalmente a estrutura curial do final do reinado de Afonso II parece ter-se mantido em funções, pelo menos durante algum tempo (Bernardo Sá Nogueira já demonstrou que, a nível local, em 1223, a organização notarial criada a partir de 1212-1214 já só subsistia em Braga, Guimarães e Coimbra. A novidade do Primeiro Tabelionado parecia ter alguma dificuldade para se impôr e o reinado de Sancho II irá demonstrar que a articulação entre os níveis central e local da administração régia se desorganizou por completo 1996). Com base nos documentos (as referências à escassez de documentos para o reinado de Sancho II, são uma constante na historiografia portuguesa que estudou, ou abordou, este reinado; são poucos os autores, que apesar dessa exiguidade, referem algumas capacidades governativas ao monarca) que nos chegaram, da sua chancelaria, de instituições eclesiásticas, de casas nobiliárquicas, de concelhos municipais ou de simples particulares; das bulas pontifícias de Gregório IX, Celestino II e Inocêncio IV ou de fontes narrativas posteriores, ideologicamente marcadas e contaminadas, procurámos reconstituir alguns dos aspectos fundamentais desse reinado». In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248), Ude Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História Medieval, 2003, Wikipedia.

Cortesia de Ude Lisboa/ FdeLetras/ DdeHistória/JDACT