quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

A política matrimonial de D. João I. Um instrumento de afirmação dinástica. Portugal, 1387-1430. Douglas Xavier M. Lima. «Antes de avançar com os consórcios matrimoniais dos filhos legítimos de João I e dona Filipa, cabe salientar que as negociações…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Ascensão dinástica e alianças matrimoniais
«(…) Ao mencionar a geração de uma prole legítima, recupera-se que o rei João I, ainda na posição de Mestre de Avis, fora pai por duas vezes, primeiro de Afonso (c. 1380), e depois de Beatriz (c. 1382), sendo essa descendência ilegítima usada como base para o alargamento da política matrimonial de Avis. Observa-se que os bastardos régios também foram utilizados em negociações matrimoniais, e nesses anos de afirmação dinástica, ainda sem contar com filhos da rainha dona Filipa em idade nubente, os filhos ilegítimos aparecem como instrumento para o fortalecimento interno, casamento de Afonso, e para a ampliação das relações externas, consórcio de Beatriz. Do processo da ascensão do Mestre de Avis, formou-se uma nova nobreza, que teve em Nuno Álvares Pereira, um expoente. Filho do Prior do Hospital, Nuno Álvares foi feito condestável do reino e recebeu os condados de Ourém, Barcelos, Arraiolos e Neiva, uma acumulação de património extraordinária em Portugal.
Toda essa base territorial fez do condestável um alvo das medidas de João I visando reaver, ou comprar, parte das terras da coroa cedidas à nobreza até ao momento. Tal facto gerou um grande descontentamento, que teve como consequência o exílio de nobres portugueses em Castela. Nuno Álvares, segundo Baquero Moreno, foi um dos principais opositores da medida régia, manifestando também o interesse de abandonar Portugal (Moreno, 1990; Lopes, 1983). Frente a tais problemas internos que movimentaram o reino em finais da década de 90 e, consequentemente, dificultavam a relação entre o rei e o seu condestável, em 1401 estabeleceu-se uma via de acordo: o casamento da única filha de Nuno Álvares, dona Beatriz, e, portanto, meio exclusivo de assegurar a reprodução da casa senhorial recém formada, com o filho bastardo de dom João (Sousa, 1949). Esta união polarizava interesses, tanto de Nuno Álvares quanto do rei. Pelo contrato estabelecido, Afonso recebeu a totalidade dos bens que o condestável detinha no Entre Douro e Minho e em Trás-os-Montes, Montalegre e terra de Barroso, Montenegro e Chaves, também com todas as rendas, direitos, foros, padroados e jurisdições e mero e misto império.
Passa-se, assim, para o casamento de dona Beatriz. A movimentação em prol do enlace da infanta com Thomas Fitzalan, conde de Arundel e aparentado da família real inglesa, iniciou-se, segundo Manuela Santos Silva e Peter Russell, por volta de 1405 sob a condução da rainha dona Filipa (Silva, 2007; Russell, 2000). As negociações se estenderam e, em 26 de Novembro do mesmo ano, dona Beatriz casou-se com o conde de Arundel.
Acrescenta-se que antes da investida de Portugal contra Ceuta, a qual foi articulada sem que a finalidade do ataque fosse sabida pelos demais reinos da Cristandade, tinha-se o temor de que o conde de Arundel viesse em auxílio de João com as suas tropas, o que demonstra que a aliança conseguida pelo casamento de Beatriz ainda repercutia no cenário ibérico quase uma década depois. Por fim, sabe-se que após a morte do conde (1415), a infanta portuguesa casou-se com John Holland, duque de Exeter, permanecendo no reino inglês até falecer em 1439 (Russell, 2000).
Antes de avançar com os consórcios matrimoniais dos filhos legítimos de João I e dona Filipa, cabe salientar que as negociações até então apresentadas mostram que as correspondências entre as casas reais eram constantes, sendo conhecida a influência da rainha de Portugal na preparação do casamento de dona Beatriz, e a manutenção do contacto desta infanta com a corte portuguesa (Silva, 2007). Desta forma, percebe-se a importância dos vínculos de parentesco para além do acto da celebração da união, pois se criava um circuito de informações, de deslocamento sócio-político e cultural, que aproximava as cortes ligadas a cada participante do enlace matrimonial.

Os casamentos da Ínclita Geração
Dito isso, retoma-se o desenvolvimento da política matrimonial desenvolvida pelo rei de Portugal observando que em 1405, com os dois filhos naturais bem casados, João I e dona Filipa somavam oito filhos legítimos, dos quais apenas dois tinham falecido, a pequenina Branca, que nascera em 1388 e morreu sem completar o primeiro ano de vida, e o infante Afonso, que nascera em 30 de Julho de 1390, falecendo com dez anos. Seis foram os filhos que ultrapassaram as altas taxas de mortalidade que afectavam os recém-nascidos na Baixa Idade Média, destes apenas uma mulher restou, a infanta dona Isabel, nascida em 1397. Desses infantes, apenas dois não casaram, o infante Henrique e o infante Fernando, mesmo tendo existido oportunidades nesse sentido». In Douglas Xavier M. Lima, A política matrimonial de D. João I, Um instrumento de afirmação dinástica, Portugal, 1387-1430, Roda da Fortuna, Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo, 2014, Volume 3, Número 2, ISSN 2014-7430.

Cortesia de REsAeMedievo/Academia/JDACT