domingo, 8 de dezembro de 2019

O Triângulo Secreto. Didier Convard. «Com um terrível esforço, Filipe tentou sentar-se no leito. Renaud acorreu para ajudá-lo e lhe ajeitar as costas com uma almofada»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
Os Três Rolos
«(…) Ao chegarem ao pavilhão de Filipe, Ricardo abriu violentamente as abas de tecido, apesar das injunções dos cavaleiros Benoit e Henri, enfurecidos por perturbarem o sono do mestre. Filipe jazia no leito, lívido, tez cerosa, olho direito oculto por uma bandagem, cabelos ralos, suando em bicas, arquejante, espavorido. A cena dessa degradação emocionou Ricardo, que se aproximou sem nem mesmo notar o abade, sentado na obscuridade com o livro de orações no colo. Minha bênção, Filipe!, proferiu Ricardo. Vejo que está nas mãos de charlatães que não curariam nem a sarna de um cão piolhento! A voz baixa, apagada e rouca do doente mal chegava aos ouvidos de Coração de Leão, que precisou se inclinar para compreender todas as palavras. É porque eu não tenho sarna, Ricardo. Sem dúvida, algum terrível veneno corre nas minhas veias...
O Plantageneta se inclinou ainda mais e examinou a pele descarnada do moribundo. Você está com a mente embaralhada, meu primo. Quem teria interesse em conduzi-lo à morte? Quando dois reis combatem juntos, sempre há um a mais. Talvez o Destino seja o único responsável pelo meu estado, desejando que você seja o único a continuar a nossa busca e a chegar ao Santo Sepulcro. Renaud interveio: como vê, Sire Ricardo, Sua Majestade prefere voltar para as suas terras o mais cedo possível. O inglês pareceu reflectir por um instante. Olhou os despojos deploráveis do doente, que tinha o rosto sacudido por espasmos dolorosos e as mãos trémulas. Uma carcaça emagrecida com um acre odor de suor, urina e outros humores que o calor da tenda tornava insuportáveis.
Filipe ergueu a mão febril, pôs o indicador no peito do soberano, gigante e maciço. Em seguida, sussurrou: vá, Ricardo... Leve seu coração de leão até Jerusalém. Controlando a repugnância, o inglês se obrigou a pôr a mão amigável na testa ardente do doente e respondeu: que seja. Ao beijar o solo, terei um pensamento afectuoso para você. Rezarei para o seu restabelecimento. E porei tanto ardor nas minhas súplicas que, aposto, em pouco tempo estará novamente de pé. Tenho a certeza, balbuciou Filipe. Agora, tenha a bondade de me deixar a sós com o cavaleiro Renaud. O senhor também, abade, saia um instante... O eclesiástico saiu da banqueta e, continuando a murmurar alguma litania em latim, retirou-se deixando o rei Ricardo sair na frente. Este lançou um olhar distraído aos dois fiéis amigos de Filipe, os cavaleiros Benoit e Henri, que mal o saudaram, preocupados que estavam com a doença de seu mestre. Com um terrível esforço, Filipe tentou sentar-se no leito. Renaud acorreu para ajudá-lo e lhe ajeitar as costas com uma almofada.
A minha doença não está ligada ao que fizemos na Torre maldita?, perguntou o rei. Não violaámos um santuário? O templário tranquilizou-o: fui eu quem pegou os rolos e não sofri nenhum sortilégio! Repito, Sire, fostes atingido por uma forte e maldita doença do suor, que o vosso organismo fragilizado pela tristeza não pôde evitar. Certamente, precisareis de tempo para recuperar vossas forças, mas o tratamento que administro poderá vencer essa febre. Enquanto isso, Ricardo vai colher os louros da tomada de Jerusalém. A Cidade Santa não passa de um odre vazio. Eu já disse, Sire, vamos deixar Ricardo com os seus sonhos de conquista e de hegemonia. Vamos deixá-lo atolar na areia. Enquanto ele permanecer aqui, não ficará de olho no vosso reino. O que há de tão importante nos pergaminhos que viemos buscar? Sabereis em breve. Os Templários entregarão os rolos a dois escribas, Agnano e Nicolau de Pádua, da abadia de Orbigny, clérigos que saberão traduzi-los para o latim. São dois homens sábios, embora sejam pervertidos e sodomitas. Dizem-se irmãos, mas não passam de homossexuais. Filipe foi tomado por um súbito acesso de tosse. Renaud imediatamente lhe serviu uma taça de água com mel diluído. Assim que deu um gole, o monarca recomeçou a tossir ainda mais forte, o peito entrecortado por convulsões violentas. Um jacto de sangue acre e negro jorrou da sua boca e manchou a túnica branca do templário.
O rei se dobrou, com uma espuma avermelhada nas comissuras dos lábios e os olhos revirados. Henri! Benoit! Ajudem, rápido!, gritou o templário. Imediatamente, os dois cavaleiros correram para o interior da tenda. Ao verem o estado de Filipe, ambos soltaram gritos e blasfêmias. Renaud havia deitado novamente o doente e limpava os lábios dele com um pano húmido. Se eu devo morrer, articulou o rei, com dificuldade, que seja na França..., ao lado do meu filho. Vamos apressar a partida! Não morrereis, respondeu Renaud. Vossa hora ainda não chegou. Não morrereis, meu irmão! Os cavaleiros Henri e Benoit se interrogaram com o olhar. Haviam escutado muito bem: o templário chamara o rei de irmão!

O Duplo Assassinato
De volta à França, a saúde do rei Filipe se estabilizou e, depois de algumas semanas, uma melhora notável tranquilizou as pessoas mais próximas. Os cavaleiros Henri e Benoit andavam de um lado para o outro em frente à porta do quarto do doente, incansáveis, controlando com dificuldade a impaciência e manifestando um mau humor que, na realidade, não era mais do que preocupação. Faz mais de um mês que Filipe não sai do quarto, reclamou um deles. O templário Renaud o obrigou a aceitar um médico que lhe administra drogas desconhecidas e remédios misteriosos, prometendo uma panaceia mágica, destacou o outro». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT