quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

A política matrimonial de D. João I. Um instrumento de afirmação dinástica. Portugal, 1387-1430. Douglas Xavier M. Lima. «Os primeiros casórios ocorreram num período de busca de afirmação e legitimação dinástica, para a qual a aliança do rei com os Lancaster (1387)…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Ascensão dinástica e alianças matrimoniais
Os casamentos da Ínclita Geração
«(…) Dentre os membros da Ínclita Geração, o primeiro a se casar foi o penúltimo filho, o infante João, em Novembro de 1424 (Sousa, 1949). Matrimónio endogâmico, uniu o infante, que desde finais de 1418 estava à frente da Ordem Militar de Santiago, à sua sobrinha, única filha do conde de Barcelos, dona Isabel. João recebeu de Nuno Álvares o castelo de Loulé e, após a morte deste, o cargo de Condestável, e do rei a vila de Serpa com seus direitos e rendas; Isabel recebeu do irmão, conde de Ourém, o reguengo e o lugar de Colares com todas as rendas, foros, direitos e jurisdições (Sousa, 1949). De acordo com Mafalda Cunha, o casamento alienou bens importantes do conde de Barcelos e de Nuno Álvares, permitindo tanto o fortalecimento régio quanto a ascensão hierárquica do pai da noiva (Cunha, 1990).
Tal matrimónio, somado ao do infanteAfonso com a filha do Condestável, representa uma tendência secundária das uniões estabelecidas pelos filhos de João I, visto que de seis filhos que casaram, quatro homens e duas mulheres quatro casaram fora de Portugal. A partir da escassez de fontes acerca das negociações matrimoniais de dom Afonso, dona Beatriz e do infante João, pode-se entrever que estas transacções não conheceram delongas, sendo o casamento da infanta com o conde de Arundel o que mais se protelou. A constatação reitera-se na observação das negociações que envolveram os matrimónios de Duarte, Pedro e Isabel, pois este segundo conjunto de casamentos reafirma a tendência de que a procura de um marido ou de uma esposa por um filho de rei era um processo longo, complexo, ao curso do qual intervinham diferentes agentes e projectos matrimoniais concorrentes.
O estabelecimento de dois conjuntos de casamentos, sendo o primeiro representado por Afonso, Beatriz e João, e o segundo por Duarte, Pedro e Isabel, permite ainda que se delimitem distinções entre as consequências de cada um dos grupos de matrimónios para a dinastia de Avis. Acredita-se que ambos reforçaram os laços avisinos dentro e fora de Portugal, contudo também reflectem momentos diferentes do reinado de João I. Os primeiros casórios ocorreram num período de busca de afirmação e legitimação dinástica, para a qual a aliança do rei com os Lancaster (1387) já tinha contribuído, com os problemas internos apresentando-se como difíceis obstáculos; já o segundo conjunto de consórcios se deu num contexto de consolidação e ampliação das alianças externas existentes até aquele momento.
Portanto, acreditamos que os casamentos dos anos 20 são reflexos de uma nova etapa da diplomacia portuguesa. A posição interna de Avis já estava estabilizada, e a aliança inglesa estruturada e reafirmada com o consórcio de Beatriz. Acrescenta-se que a conquista de Ceuta (1415) tinha permitido a construção de uma imagem do reino e da dinastia reinante articulada aos valores cristãos e à defesa da Cristandade, elementos que favoreciam a honra da família real avisina no cenário das casas principescas. Por fim, os casamentos a serem analisados demonstram o esforço do rei de Portugal em consolidar-se no cenário político ibérico, mormente através da aliança com Aragão, e, ultrapassando este quadro diplomático tradicional, enrijecer os laços com o mar do Norte, por meio do enlace com o ducado da Borgonha.
Os casamentos dos outros três infantes portugueses foram concretizados num período muito curto, entre Setembro de 1428 (Duarte I e dona Leonor de Aragão) e Janeiro de 1430 (dona Isabel e Filipe o Bom), o que oculta o facto de que pelo menos desde 1409 se discutisse possíveis matrimónios para o príncipe herdeiro e para o infante Pedro. Assim, reforçamos que a construção de um casamento levava em consideração diversos elementos, entre eles: os contactos estabelecidos com as demais casas reais e poderes estrangeiros; o confronto com projectos matrimoniais concorrentes; a existência de impedimentos de consanguinidade ou de outros impedimentos canónicos, os quais só poderiam ser resolvidos com dispensas papais; e a beleza e o dote da noiva. Dados dinâmicos que eram profundamente influenciados por mudanças dinásticas, mortes e novas alianças diplomáticas». In Douglas Xavier M. Lima, A política matrimonial de D. João I, Um instrumento de afirmação dinástica, Portugal, 1387-1430, Roda da Fortuna, Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo, 2014, Volume 3, Número 2, ISSN 2014-7430.

Cortesia de REsAeMedievo/Academia/JDACT