quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O Último Teorema de Fermat. Simon Singh. «O problema tem uma aparência simples e familiar porque é baseado num elemento da matemática que todos conhecem, o Teorema de Pitágoras: num triângulo rectângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Wiles queria passar mais tempo revendo o seu trabalho e verificando o manuscrito final. Mas então surgira uma oportunidade única de anunciar a sua descoberta no Instituto Isaac Newton, em Cambridge, e ele abandonou toda a cautela. A razão da existência do instituto é reunir os maiores intelectos do mundo, durante algumas semanas, de modo a realizarem seminários sobre pesquisas de ponta, da escolha deles. Situado nos limites do campus, bem longe dos estudantes e de outras distracções, o prédio foi projectado especialmente para encorajar os académicos a se concentrarem nas discussões e colaborações. Não há corredores sem saída onde alguém possa se esconder. Todos os escritórios se voltam para o fórum central. Os matemáticos devem passar o seu tempo nesta área aberta e são desencorajados quanto a fecharem as portas dos seus gabinetes. A colaboração também é encorajada entre aqueles que estão andando pelo prédio. Até no elevador, que sobe apenas três andares, existe um quadro-negro. Na verdade, cada sala do prédio tem pelo menos um quadro-negro, incluindo os banheiros. Naquela ocasião, os seminários do Instituto Newton tinham como tema Aritmética e funções-L. Os maiores especialistas do mundo na teoria dos números tinham se reunido para debater problemas relacionados com este campo altamente especializado da matemática pura, mas somente Wiles percebia que as funções-L podiam ser a chave para a solução do Último Teorema de Fermat. Embora fosse atraído pela oportunidade de revelar o seu trabalho ante uma audiência tão eminente, a razão principal de fazer sua exposição no Instituto Newton era que ele ficava em sua cidade natal, Cambridge. Fora em Cambridge que Wiles nascera e crescera, desenvolvendo a sua paixão pelos números. E fora lá que ele conhecera o problema que dominaria o resto da sua vida.

O último problema
Em 1963, quando tinha 10 anos, Andrew Wiles já era fascinado pela matemática. Eu adorava resolver problemas na escola. Eu os levava para casa e criava novos. Mas os melhores problemas eu os encontrava na biblioteca local. Um dia, quando voltava para casa, da escola, o jovem Wiles decidiu passar na biblioteca da rua Milton. Era uma biblioteca pequena, mas tinha uma boa colecção de livros sobre enigmas, e isso era o que atraía a atenção de Andrew. Eram livros recheados com todo o tipo de charadas científicas e problemas de matemática, e para cada problema haveria uma solução convenientemente colocada nas últimas páginas. Mas naquele dia Andrew foi atraído por um livro que tinha apenas um problema e nenhuma solução. O livro era O último problema, de Eric Temple Bell. Ele apresentava a história de um problema matemático que tinha as suas origens na Grécia Antiga, mas só atingira a sua maturidade no século XVII, quando o matemático francês Pierre de Fermat o colocara como um desafio para o resto do mundo. Uma sucessão de grandes matemáticos fora humilhada pelo legado de Fermat e durante trezentos anos ninguém conseguira uma solução. Trinta anos depois de ler o relato de Bell, Wiles ainda se lembrava do que sentira ao ser apresentado ao Último Teorema de Fermat: parecia tão simples, e no entanto nenhum dos grandes matemáticos da história conseguira resolvê-lo. Ali estava um problema que eu, um menino de 10 anos, podia entender, e eu sabia que a partir daquele momento nunca o deixaria escapar. Tinha de solucioná-lo. Geralmente, metade da dificuldade de um problema de matemática consiste em entender a questão, mas nesse caso ela era directa, provar que não existe solução em números inteiros para a seguinte equação:

xn + yn= z n para n maior do que 2.

O problema tem uma aparência simples e familiar porque é baseado num elemento da matemática que todos conhecem, o Teorema de Pitágoras:

Num triângulo rectângulo o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

Ou:  x2 + y2 = z2

O Teorema de Pitágoras fora impresso em milhões, se não bilhões, de mentes humanas. É o teorema fundamental que toda criança inocente é forçada a aprender. Mas, apesar de poder ser compreendido por uma criança de 10 anos, a criação de Pitágoras serviu de inspiração para um problema que desafiou as maiores mentes matemáticas da história. No século VI a.C., Pitágoras de Samos foi uma das figuras mais influentes e, no entanto, misteriosas da matemática. Como não existem relatos originais da sua vida e de seus trabalhos, Pitágoras está envolto no mito e na lenda, tornando difícil para os historiadores separar o facto da ficção. O que parece certo é que Pitágoras desenvolveu a ideia da lógica numérica e foi responsável pela primeira idade de ouro da matemática. Graças ao seu génio, os números deixaram de ser apenas coisas usadas meramente para contar e calcular e passaram a ser apreciados pelas suas próprias características. Ele estudou as propriedades de certos números, o relacionamento entre eles e os padrões que formavam. Ele percebeu que os números existem independentemente do mundo palpável e, portanto, o seu estudo não é prejudicado pelas incertezas da percepção. Isso significava que ele poderia descobrir verdades que eram independentes de preconceitos ou de opiniões, sendo mais absolutas do que qualquer conhecimento prévio». In Simon Singh, o Último Teorema de Fermat, 1997, Edição BestBolso, nº 367, Editora Record, 2011-2014, 978-857-799-462-5.

Cortesia de ERecord/JDACT