quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Sentenças Régias em tempo de Ordenações Afonsinas (1446-1512). Jorge André NBV Testos. «Verificamos, assim, que nomes de referência das escolas italiana, alemã e francesa de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX não trataram os documentos judiciais com autonomia…»

Cortesia de wikipedia, academia e jdact

Com a devida vénia ao Mestre Jorge André NBV Testos

Um Estudo de Diplomacia Judicial
Diplomática Judicial e Documentos Judiciais
«(…) Se formámos o propósito de apresentar um estudo de diplomática judicial, importará, desde logo, delimitar esse conceito, que se interliga, por natureza, com o de documento judicial. Os manuais clássicos de Diplomática, todavia, não autonomizam o conceito de diplomática judicial, abordando apenas de forma lateral os documentos judiciais, enquadrando-os geralmente na diplomática régia. Deste modo, Cesare Paoli, alertando para a admissibilidade de vários critérios para a classificação dos documentos medievais, começa por distinguir duas grandes categorias de documentos: os documentos públicos (tutti i documenti emanati da autorità pubbliche in forma pubblica) e os documentos privados. Entre os exemplos de documentos públicos, faz referência a tipos de documentos judiciais (placiti e carte giudiziarie), mencionando ainda que o estudo das várias espécies documentais deve ser feito secondo le diverse autorità da cui emanano, conformemente al sistema politico sociale del medio evo. Distingue depois documentos régios, pontifícios e privados; dentro dos documentos régios, distingue os documentos legislativos, judiciais (dando como exemplos os placita, judicia e notitiae iudicatuum) e diplomáticos, ocupando-se apenas destes últimos.
Harry Bresslau, incidindo especialmente o seu estudo sobre a diplomática régia e pontifícia, ao dedicar-se à classificação de documentos régios, refere, de forma vaga, os documentos judiciais (Gerichtsurkunden), para assinalar que, a partir de determinado momento, estes deixam de ser produzidos por funcionários de chancelaria e passam para as mãos dos notários. No caso concreto das sentenças (Rechtsprüchen) do tribunal da corte (Hofgericht), com o estabelecimento de um tribunal fixo (Iustitiarius curiae imperialis), em 1235, deixam de pertencer à categoria dos documentos régios, dado que eram emitidos em nome do tribunal e redigidos na secretaria do tribunal (Gerichtsschreiberei) e não na chancelaria (Reichskanzlei). Só quando o Rei presidia ao tribunal da corte é que os documentos seriam preparados na chancelaria.
Por seu turno, Arthur Giry sustenta que a valorização das diplomáticas especiais, agrupando as fontes diplomáticas por categoria de iguais proveniência e natureza e submetendo-as a uma crítica racional e rigorosa, permite, por via de uma ordenação cronológica das mesmas, acompanhar as transformações dos documentos, distinguir as variantes, discernir as influências sofridas e encontrar as regras e usos que presidiam à sua elaboração. Assim agrupados, les actes de même origine s'éclairent mutuellement. No entanto, aprofunda apenas cinco categorias que enquadram os documentos pontifícios, régios, eclesiásticos, senhoriais e os documentos privados (actes privés). As referências a documentos judiciais (judicum ou placitum; jugements) surgem inseridas na caracterização dos documentos régios. A propósito dos reis carolíngios, o Autor realça que os acórdãos do tribunal do palácio (placitum palatii) formam uma categoria particular de documentos que, depois de Carlos, o Calvo, só excepcionalmente são redigidos em nome do Rei.
Verificamos, assim, que nomes de referência das escolas italiana, alemã e francesa de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX não trataram os documentos judiciais com autonomia, referindo-os apenas por referência aos documentos régios. O facto de a produção documental do tribunal régio se separar da produção documental da chancelaria régia constituiu motivo para que o estudo de tal documentação não tenha sido contemplado. Vigorava, portanto, uma classificação clássica tripartida entre diplomática dos documentos régios, diplomática dos documentos pontifícios e diplomática dos documentos particulares (Privaturkunden, actes privés), sendo esta última uma categoria residual que se revelava insuficiente para abarcar sistemas documentais tão distintos como o senhorial, municipal, episcopal, notarial ou judicial. A partir da segunda metade do século XX, a Diplomática foi evoluindo no sentido do alargamento do seu objecto, em resposta ao apelo lançado por Robert-Henri Bautier para que a disciplina se abrisse aos documentos de arquivo e não negligenciasse os domínios não privilegiados da diplomática especial». In Jorge André NBV Testos, Sentenças Régias em tempo de Ordenações Afonsinas (1446-1512), Um Estudo de Diplomacia Judicial, Mestrado em Paleografia e Diplomática, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, Lisboa, 2011.

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