quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A Chave de Salomão. José Rodrigues dos Santos. «O poder do campo criado pelos supermagnetos tinha de aumentar de modo a acelerar os protões, forçando-os assim a curvar a sua trajectória…»

jdact e ol

«(…) O corredor deserto desembocou numa porta com um painel de teclas incrustado na parede e uma tabuleta a indicar o acesso ao grande acelerador de hadron. Bellamy sabia que o acesso, além de ser limitado ao pessoal autorizado, se encontrava nesse instante vedado devido à operação em curso, embora uma minudência dessas não o detivesse. Ele era o responsável pela Direcção de Ciência e Tecnologia da CIA, uma das quatro direcções da agência de espionagem dos Estados Unidos, e tinha a noção muito clara de onde podia ou não ir, como e em que circunstâncias. Pousou os dedos no teclado embutido na parede e digitou o código de acesso que lhe fora comunicado dias antes pelos responsáveis do CERN. O pequeno ecrã do teclado respondeu com duas palavras em inglês. Access denied. Fuck!, praguejou o responsável da CIA, esmurrando a parede tal a sua irritação. Fuck! Fuck! Fuck! As palavras no ecrã a negar-lhe o acesso ao grande acelerador de hadron piscavam como pirilampos, pareciam até rir-se dele. Bem vistas as coisas, porém, sabia que não devia ficar surpreendido, pelo que dominou de imediato as emoções. O código que lhe fora entregue permitia-lhe de facto aceder a todo o complexo, raciocinou, mas não ao grande acelerador de hadron quando este estava a funcionar. Teria de improvisar. Deitou a mão ao coldre por debaixo do casaco e, ao senti-lo vazio, lembrou-se de que os seguranças no átrio de acesso ao complexo lhe tinham ficado com o Colt. Seria preciso ir por outro caminho, percebeu. Tirou a chave que trazia no bolso das calças e, com a ponta, pôs-se a desaparafusar o teclado fixado na parede. A operação levou uns meros cinco minutos, ao fim dos quais o teclado cedeu e tombou para fora, apenas preso por fios de electricidade.
Depois de analisar os fios, Bellamy pegou no telemóvel e carregou numa tecla. Acto connuo, uma lâmina saltou com um estalido e o telefone portátil transformou-se no que mais parecia um canivete suíço. O homem da CIA sorriu. Eram práticos e traiçoeiros aqueles telemóveis que a Direcção de Ciência e Tecnologia havia desenvolvido para os operacionais. Agarrou num fio negro e cortou-o com a lâmina. Depois fez o mesmo a outro fio, este vermelho. Uma vez ambos os fios soltos, pegou neles e colou-os pelas pontas soltas, estabelecendo contacto. A porta abriu-se com um zumbido suave. Gotcha!
Atravessou a porta, mas antes de seguir caminho voltou a deter-se e a atirar uma mirada atenta ao corredor de onde viera. Talvez fosse apenas a influência do campo magnético, não tinha a certeza, mas a sensação de que alguém o seguia tornara-se ainda mais poderosa. À medida que os grupos de protões iam sendo injectados de acelerador em acelerador, a tensão na sala de controlo crescia. Os sussurros entre os físicos pararam em absoluto e o ambiente adensou-se consideravelmente. O momento mais importante aproximava-se a passos rápidos. Heinrich!, gritou o director. A que velocidade estão os protões? Energia, quatrocentos e cinco gigaelectrões-volt e a crescer, Herr Direktor. O director voltou-se para o outro lado da sala. Maurice, o grande acelerador de hadron está pronto para receber a carga? Oui. Paul, como vão os magnetos? O campo magnético cresce em linha com a aceleração dos protões, sir.
O poder do campo criado pelos supermagnetos tinha de aumentar de modo a acelerar os protões, forçando-os assim a curvar a sua trajectória e, consequentemente, a manter-se dentro do grande acelerador de hadron. Todos os que estavam na sala tinham a noção de que esta questão delicada constituía um ponto crítico da operação. Heinrich, já estamos lá? Quase, Herr Direktor. Faz a contagem final. Energia, quatrocentos e quinze gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos e vinte gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos e vinte e cinco gigaelectrões-volt e a crescer... Atenção, Maurice..., modalidade em modo de pacote, preparar a rampa. Energia, quatrocentos e trinta gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos e trinta e cinco gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos e quarenta gigaelectrões-volt e a crescer... Atenção, Maurice..., modo de pacote, rampa. Iniciar o grupo de potência um dois três. Energia, quatrocentos e quarenta e cinco gigaelectrões-volt e a crescer..., energia estabilizada nos quatrocentos e cinquenta gigaelectrões-volt. Injecção!» In José Rodrigues dos Santos, A Chave de Salomão, 2014, Gradiva, 2014, ISBN 978-989-616-602-1.

Cortesia de Gradiva/JDACT