sábado, 8 de fevereiro de 2020

Leonardo da Vinci. Sophie Chauveau. «É inútil insistir sobre o seu talento, ou melhor, seus talentos: há mais de cinco séculos o mundo se encarrega disso»

Cortesia de wikipedia e jdact

1452-1480
«(…) Quando seu avô Antonio morre em 1464, Leonardo vai viver na casa do pai e lá completar os estudos, afim de ter o mais cedo possível uma profissão. Depois de tantos lutos, esse desenraizamento deve ter sido brutal. Uma extirpação da infância. Nas colinas perfumadas, duas mulheres jovens cuidaram do filho bastardo, além da avó, do avô e do jovem tio. Todos partilhavam com ele um amor imodesto pela vida. A única verdadeira herança de Leonardo será essa paixão pela natureza e pelo ser vivo.

A chegada em Florença é a despedida da liberdade, da natureza e da vida em estado selvagem. É o fim da mãe a algumas colinas dali, das bonitas e doces madrastas, do terno avô e, principalmente, da experimentação de todas as formas de vida na natureza. Instalado na casa do pai, a caminho de tornar-se um grande senhor, Leonardo é compelido a buscar rapidamente uma profissão. Como gosta de desenhar tudo o que vê, como gosta de observar e reproduzir minuciosamente, e como todos ao redor se alegram de contemplar os seus desenhos, ele passa a integrar o prestigioso atelier de Andrea Verrocchio (Andrea di Cione, dito Verrocchio, o olho exacto). É a melhor bottega de Florença, a mais polivalente, onde ele aprenderá todas as artes. Talvez com um pistolão do pai, mas os observadores pensam que o seu simples talento lhe serviu de salvo-conduto.
Lá as pessoas se tratam de modo informal pelo nome, geralmente pelo sobrenome, estando as designações de messer, maestro ou padre reservadas a doutores, médicos, cónegos, monges... E mesmo assim nem sempre. A igualdade reina na Toscana. O florentino vive numa república e se orgulha de ter derrubado as hierarquias sociais. A riqueza de consumismo é severamente punida. O burguês, como o artesão, vai beber na taverna, fala livremente, responde à altura, sempre atento às conversas políticas. E é maledicente! Maledicente como um toscano, dizem na Itália da época. A atmosfera é animada, vibrante, alegre, às vezes febril. As refeições da família ocorrem entre nove e dez da manhã, e outra pouco antes do anoitecer. Marido e mulher, irmãos e irmãs, amigos e companheiros comem no mesmo prato, bebem no mesmo copo, pão, ervas, doces e frutas. Carne só aos domingos. Quando se mata um porco, é preciso dar chouriço ao vizinho senão ele se zanga, lembra o adágio. O florentino vive ainda essencialmente fora de casa. A rua é a peça exterior da moradia. No Verão instala-se ali para jogar dados, xadrez..., a multidão servindo de árbitro, o menor incidente provocando um pânico. Todos sabem tudo de todos.

Andrea Verrocchio abre as portas do seu atelier e certamente o seu coração ao efebo Leonardo. É dele que conservamos a primeira descrição do fenómeno. Sim, um fenómeno, realmente. Pois, tão logo chega a Florença, o superlativo se apodera dele. O ditirambo (poesia em que se celebra o vinho) o segue, o elogio o precede. Parece sobressair-se sobre todos os contemporâneos. Graça, beleza, talento, humor, inteligência, gentileza... O encanto segue os seus passos, o seu físico é elogiado por todos. Mesmo Vasari reconhece que ele é fora do comum. Outros falam dos seus traços angélicos, dos seus olhos claros, azuis ou verdes, ninguém sabe ao certo, dos seus cabelos loiros ou ruivos, optam pelo loiro veneziano. Uma carnação clara, uma pele magnífica. Corpo de efebo esguio. E, o que é notável na época, uma altura gigantesca: mais de um metro e noventa. Quanto à voz, é bela, com certeza, mas terrivelmente alta. Até mesmo superaguda. E ele a utiliza como um instrumento magistralmente trabalhado. A sua gentileza é legendária; o seu humor, irradiante. Sociável e bom companheiro, conquista na confraria dos pintores, artistas e artesãos, assim são classificados os florentinos, uma sólida reputação de bon vivant. É inútil insistir sobre o seu talento, ou melhor, seus talentos: há mais de cinco séculos o mundo se encarrega disso». In Sophie Chauveau, Leonardo da Vinci, 2008, L&PM Pocket (colecção Biografias), Editora Gallimard, 2012, ISBN 978-852-542-640-6.

Cortesia de EGallimard/JDACT