sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Frida. Biografia. Hayden Herrera. «Fui amamentada por uma ama indígena, cujos peitos eram lavados todas as vezes que me dava de mamar, contou, orgulhosa, a uma amiga»

Cortesia de wikipedia e jdact

Infância em Coyoacán
«(…) Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, terceira filha de Guillermo e Matilde Kahlo, nasceu em 6 de Julho de 1907, às oito e meia da manhã, em plena estação das chuvas de Verão, quando o alto planalto da Cidade do México fica abafado e húmido. Os primeiros dois nomes foram dados a Frida para que ela pudesse ser baptizada com um nome cristão. O seu terceiro nome, o que a família usava, significa paz em alemão (embora na sua certidão de nascimento conste a grafia Frida, o nome da pintora foi escrito com um e Frieda à moda alemã, até ao final da década de 1930, quando ela abandonou a letra por causa da ascensão do nazismo na Alemanha). Pouco depois do nascimento de Frida, sua mãe caiu doente e durante certo período a menina foi amamentada por uma ama-de-leite indígena. Fui amamentada por uma ama indígena, cujos peitos eram lavados todas as vezes que me dava de mamar, contou, orgulhosa, a uma amiga. Anos depois, quando o facto de ter sido alimentada pelo leite de uma nativa passou a ser crucial para ela, Frida pintou uma tela em que a ama-de-leite aparece como a personificação da sua herança mexicana, a artista, com as feições de adulta e corpo de recém-nascida, aparece no colo da nutriz, mamando no seu seio.
Talvez em virtude da saúde de Matilde Kahlo, ao aproximar-se da meia-idade, ela começou a sofrer desmaios ou ataques, parecidos aos do marido, ou talvez por causa do seu temperamento, Frida e a irmã mais nova, Cristina, eram entregues aos cuidados das irmãs mais velhas, Matilde e Adriana, e, sempre que estavam em casa, das suas meias-irmãs María Luisa e Margarita, que tinham sido mandadas para um convento quando seu pai Guillermo se casou de novo.
Três anos após o nascimento de Frida, eclodiu a Revolução Mexicana, movimento armado que começou com motins em várias partes do país e com a formação de exércitos de guerrilheiros em Chihuahua (sob a liderança de Pascual Orozco e Pancho Villa) e em Morelos (sob o comando de Emiliano Zapata); os conflitos e focos de revolta se estenderiam por dez anos. Em Maio de 1911, caiu o antigo ditador, Porfirio Díaz, que partiu para o exílio. O líder revolucionário Francisco Madero foi eleito presidente do país em Outubro de 1912, mas em Fevereiro de 1913, depois da Dezena Trágica, etapa de dez dias de combates em que tropas antagónicas no Palácio Nacional e na Ciudadela bombardearam-se mutuamente, causando tremenda destruição e mortandade, Madero foi traído pelo general Victoriano Huerta e assassinado. No norte, Venustiano Carranza insurgiu-se para vingar a morte de Madero. Adoptando o título de Primeiro Chefe do Exército Constitucionalista e contando com um pequeno contingente à sua disposição, lutou para derrubar Huerta. A cruel disputa de poder e o inevitável derramamento de sangue só cessariam com a posse do presidente Álvaro Obregón, um dos generais de Carranza, em Novembro de 1920.
No seu diário, escrito na sua última década de vida e hoje em exibição no museu que leva seu nome, Frida lembra, com orgulho, e, segundo muitos suspeitam, com considerável dose de licença poética, ter testemunhado batalhas entre exércitos revolucionários na Cidade do México.

Lembro que eu tinha quatro anos [na verdade, ela tinha cinco], quando se deu a dezena trágica. Testemunhei com meus próprios olhos a batalha dos camponeses de Zapata contra os carrancistas. Minha situação era muito clara. Minha mãe abria as janelas na rua Allende. Ela dava acesso aos zapatistas, de modo que os feridos e famintos entrassem pelas janelas na minha casa, na sala de estar. Ela cuidava dos ferimentos e os alimentava com grossas tortillas, a única comida que se conseguia arranjar em Coyoacán naqueles dias [...] Éramos quatro irmãs: Matita, Adri, eu (Frida) e Cristi, a gordinha. [...] Em 1914, as balas passavam zunindo. Ainda hoje ouço aquele som sibilante extraordinário. No tianguis [mercado] de Coyoacán, a propaganda a favor de Zapata era feita com corridos [baladas revolucionárias] editados pelo [gravurista e desenhista José Guadalupe] Posada. Na sexta-feira, essas baladas custavam um centavo cada; escondidas dentro de um enorme guarda-roupa que cheirava a nogueira, Cristi e eu as cantávamos, enquanto meu pai e minha mãe ficavam atentos para que não caíssemos nas mãos dos guerrilheiros. Lembro de um carrancista ferido correndo para o seu baluarte perto do rio de Coyoacán. Da janela espiei também um zapatista com um ferimento de bala no joelho, agachado e calçando as sandálias [aqui Frida faz esboços do carrancista e do zapatista]». In Hayden Herrera, Frida, A Biografia, 1983, tradução de Renato Marques, Editora Globo, 2011, ISBN 978-852-505-353-4.

Cortesia de EGlobo/JDACT