sexta-feira, 17 de julho de 2020

A Caminho do Verão. Sarah Dessen. «Eu conhecia um monte de pessoas que se tinham separado, e todos pareciam lidar com isso de modo diferente: completa surpresa, desapontamento esmagador, completo alívio»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Ainda. Óculos-de-Nerd disse, pressionando. É uma brilhante ideia. Eu poderia... Hm, co-autorá-lo com você, se você quiser. Minha mãe levantou sua cabeça e sua taça, apertando os olhos para ele enquanto um silêncio caía. Oh, vamos, ela disse. Que doce da sua parte. Mas eu não faço coautoria, pela mesma razão que eu não saio com conhecidos do trabalho ou relacionamentos. Eu sou apenas muito egoísta. Eu pude ver óculos-de-Nerd engolir, mesmo do meu longo ponto de vantagem, seu rosto corando assim que ele avançava para a garrafa de vinho, tentando disfarçar. Idiota, eu pensei, empurrando de leve a porta fechada. Como se fosse assim tão fácil se comparar a minha mãe, por algum rápido e apertado laço que iria durar. Eu saberia. Dez minutos depois, eu estava deslizando para fora pelas portas laterais, meus sapatos enfiados debaixo dos braços, e entrando no meu carro. Eu dirigi pelas ruas vazias na maioria, passando por quietas vizinhanças e escuras fachadas de lojas, até que as luzes da Lanchonete do Ray aparecessem à distância. Pequeno, com completamente muito neon, e mesas que estavam sempre um pouco grudentas, o Ray era o único lugar na cidade, aberto vinte e quatro horas, 365 dias por ano. Desde que eu não estivesse dormindo, eu tinha passado mais noites do que me lembrava numa cabine lá, lendo ou estudando, dando uma gorjeta a cada hora ou a qualquer coisa que eu pedia até que o sol se levantava. A insónia começou quando o casamento dos meus pais começou a se deteriorar três anos antes. Eu não deveria ter ficado surpresa: a união deles tinha sido tumultuosa por mais tempo que eu posso me lembrar, apesar deles estarem sempre discutindo mais a respeito de trabalho do que de si mesmos. Originariamente eles haviam chegado à Universidade directamente da escola de primeiro grau, quando meu pai se ofereceu para ser professor assistente lá. Neste momento, ele recém, havia encontrado um editor para o seu primeiro romance, A Sereia Narwhal, enquanto minha mãe estava grávida de meu irmão e tentando terminar sua tese. Rebobinando para frente, quatro anos, até meu nascimento, e para meu pai numa maré de critica e êxito comercial, na lista de New York Times como o mais vendido e indicado para os Prémios Nacionais de Livros, estava liderando o programa criativo de escritura, enquanto minha mãe estava; como ela gostava de dizer, perdida num mar de fraldas e baixa estima. Quando entrei no jardim de infância, no entanto, minha mãe voltou para a academia com vontade, conseguindo um mestrado e um editor para a sua tese.
Com o tempo, se transformou numa das professoras mais populares no departamento, foi contratada para um cargo de tempo integral, e conseguiu um segundo, depois um terceiro livro, tudo enquanto meu pai simplesmente olhava. Ele afirmava estar orgulhoso, sempre fazendo piadas sobre ela ser seu boleto para a comida, o sustento da família. Mas logo minha mãe conseguiu seu cargo académico, o que era muito valorizado, e ele foi despedido pelo seu editor, o que não o era, e as coisas começaram a ficar feias.
As brigas sempre pareciam começar pelo jantar, com um deles fazendo algum pequeno comentário e o outro se sentindo ofendido. Haveria uma pequena briga, palavras ríspidas, uma tampa de panela batida com força, mas então pareceria resolvido..., pelo menos até cerca das dez ou onze, quando de repente eu os ouviria começar de novo sobre o mesmo assunto. Depois de um tempo eu percebi que esse braço de tempo ocorria porque eles estavam esperando que eu adormecesse antes de irem com tudo. Então eu decidi, uma noite, não dormir. Eu deixei minha porta aberta, minha luz acesa e fiz cálculos, óbvias idas ao banheiro, lavando minhas mãos o mais alto possível. E por um tempo, funcionou. Até que não, e as brigas começaram de novo. Mas então meu corpo estava acostumado a ficar acordado até tarde, o que significava que agora eu estava acordada para cada palavra.
Eu conhecia um monte de pessoas que se tinham separado, e todos pareciam lidar com isso de modo diferente: completa surpresa, desapontamento esmagador, completo alívio. O denominador comum era, sempre que havia um monte de discussões a respeito desses sentimentos, ambos com os dois pais, ou um ou outro separadamente, ou com um terapeuta em grupo ou terapia individual. Minha família, é claro, tinha que ser a excepção. Eu realmente tive o sente-que-nós-temos-que-lhe-dizer-algo momento. As noticias foram dadas pela minha mãe, pela mesa da cozinha enquanto meu pai se encostava contra um canto por perto, mexendo nervosamente com as mãos e parecendo cansado. O seu pai e eu estamos nos separando, ela me informou, com o mesmo inexpressivo, todo negócios tom que eu tão frequentemente a ouvia usar com estudantes enquanto ela criticava seus trabalhos. Eu tenho certeza que irá concordar que esse é o melhor para todos nós. Ouvindo isso, eu não tinha certeza de como eu me sentia. Não alivio não um esmagador desapontamento, e de novo, não era uma surpresa. O que me incomodava, enquanto nos sentávamos ali, os três de nós naquele cómodo eram; quão pequena eu me sentia. Pequena, como uma criança. O que era a coisa mais esquisita. Como se tivesse tomado todo esse imenso momento para uma repentina onda de infância passar por mim, há muito esperada». In Sarah Dessen, A Caminho do Verão, 2011, Saraiva, 2011, ISBN 978-851-606530-0.

Cortesia de ESaraiva/JDACT