terça-feira, 21 de julho de 2020

Contos Proibidos. Rui Mateus. «De SZ este partido herdaria a consciência moral que ainda lhe resta; mas, curiosamente, essa recuperação só aconteceria quando este fiel discípulo de Z se converteu…»

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«(…) O PS acabaria por ser, acidentalmente, aquele que mais responsabilidades teria na construção das actuais estruturas económicas, sociais e políticas do País. Opôs-se à opressão salazarista e sairia desiludido da chamada primavera marcelista. Acabaria por resistir à aventura comunista e, depois, à tentação militarista, acabando por impor o seu modelo de sociedade, a partir de 1976. Nesse percurso e nos momentos decisivos, teria sempre o apoio internacional dos Estados Unidos e da Europa. Daí que a perspectiva internacional, em redor da qual têm girado o país e os principais partidos políticos, seja uma peça essencial para a análise dos actuais fenómenos da nossa sociedade. Sem esses apoios, que para o PS estariam como o oxigénio está para a vida, provavelmente o regime democrático teria sucumbido. Do mesmo modo que, em 1945, a sua ausência viabilizaria a continuação de Salazar. Mas, por outro lado, se sem eles tudo estaria em jogo, também a relação de dependência criada e a institucionalização do tráfico de influências iriam provocar algumas distorções e vícios que o País hoje sente. Tentar explicar esses fenómenos de um passado recente, para compreender o presente, é um dos objectivos deste livro. Mas, como não poderia deixar de ser, escrever sobre o PS durante este período sem falar dos seus principais protagonistas tomaria impossível alcançar essa meta. Entre eles destacam-se duas personalidades distintas e a relação de amor e ódio que, em grande parte, determinaria o actual PS: MS e FSZ (o bom Chico - JDACT). O primeiro deixaria marcas profundas que continuarão a caracterizar o PS por muito tempo. De SZ este partido herdaria a consciência moral que ainda lhe resta. MS seria eleito Presidente da República e SZ abandonaria o partido, incompatibilizado com o seu velho amigo. Durante algum tempo, o PS iria ser um barco à deriva. Recuperaria eleitoralmente, contudo, com o seu actual líder, AG. Mas, curiosamente, essa recuperação só aconteceria quando este fiel discípulo de Z se converteu ao soarismo. Por isso mesmo, esta interessante simbiose das personalidades daqueles dois principais personagens será agora examinada à lupa no novo PS, para ver se ele segue o caminho da consciência moral do seu velho protector, ou o caminho do absolutismo monárquico e das facilidades do seu favorito ex-inimigo.
Para já, é evidente que o actual secretário-geral do PS, já em 1976, responsável com EP, SL e SF (SF sucederia MA, em 1986, no lugar de tesoureiro do PS e seria depois convidado por CM (o meu bom amigo – JDACT) para presidente da Companhia do Aeroporto de Macau, pela campanha eleitoral do PS, conhece bem as dependências internacionais do seu partido e até, à semelhança do seu antecessor, trata-se por tu com pelo menos seis primeiros-ministros europeus (esta declaração de AG, em 1995, é copiada de uma declaração idêntica de MS, de 1979, quando dizia que era amigo pessoal do Schmidt, do Willy Brandt, do Callaghan, do Olof Palme..., etc., para afirmar que posso pegar em qualquer momento no telefone e falar com eles). Vamos ver para crer, como diz o ditado, mas, pelos primeiros indícios, temo que, do mesmo modo que S meteria o socialismo na gaveta, G venha a meter a consciência moral do PS no congelador. O que é um mau sinal para a democracia. Que não terá futuro se o passado não estiver esclarecido e o futuro continuar a depender de bodes expiatórios.
O meu livro, assim o espero, ajudará a compreender como o triunfo de alguns se faria à custa do sacrifício de outros. O estado dos juízes está atento ao passado dos actuais políticos e não hesitará, no momento oportuno, em colaborar para a sua decomposição. Eu entrei para a política quase por acaso. Aderi nos anos 60 à minúscula Acção Socialista Portuguesa por acreditar que, pela via do socialismo democrático e através de um sistema pluripartidário, Portugal viria a ser um país igualou melhor que aquele onde vivia exilado, a Suécia, e que era então considerado, acertadamente, a sociedade mais justa e mais evoluída do planeta. Não o socialismo utópico, igualitário, de partido único que transforma os cidadãos em funcionários do estado. O socialismo onde os partidos se combatem no campo das ideias e onde os interesses e bem-estar dos cidadãos estão sempre em primeiro lugar. Onde os partidos políticos são a espinha dorsal do sistema e os instrumentos para a sua modificação democrática e não o instrumento de promoção pessoal dos seus dirigentes. Mas, infelizmente, e daí a outra razão de ser deste meu livro, Portugal parece estar a perder essa importante batalha da democracia. Isso atestam o crescente branqueamento da História e falta de transparência das instituições. A Europa, berço da amálgama de culturas e conflitos que deram origem ao que é hoje vulgarmente apelidado de civilização ocidental, nunca produziu um modelo perfeito de democracia que garanta aos seus cidadãos a igualdade de acesso à educação, ao trabalho, à saúde e à justiça. Entretanto, alguns países, sobretudo a norte, conseguiram ao longo dos anos conquistas importantes naquelas áreas, com base numa considerável evolução do conceito de respeito pelos direitos humanos, dos direitos dos animais e da natureza». In Rui Mateus, Contos Proibidos, 1996, Publicações Dom Quixote, 1996, ISBN 972-201-316-5.

Cortesia de PdomQuixote/JDACT