quinta-feira, 30 de julho de 2020

O Último Segredo. Lynn Sholes e Joe Moore. «O rosto dela empalideceu quando se voltou para encarar os passageiros. O homem ajeitou os óculos na ponte do nariz e começou a se levantar. Por favor, fique sentado, ordenou ela»

Cortesia de wikipedia e jdact 

Abatido

«O passageiro da poltrona 2-K da classe executiva do airbus A-340 da Virgin Atlantic olhava para a porta da cabine de comando através das grossas lentes dos óculos. Dez segundos antes, depois de ouvir um estampido seco vindo da cabine de comando, ele havia interrompido a leitura da revista que segurava. Agora, juntamente com os que o rodeavam, ouvia perplexo do seu assento as informações dadas pelo comandante através do sistema de intercomunicação. Aqui fala o comandante Krull. Estamos com problemas técnicos. Permaneçam todos sentados. O comandante havia dado outras informações durante o vôo de Londres a Nova York. Mas, dessa vez, a voz dele parecia tensa, nervosa. Uma comissária de bordo avançou cautelosamente pelo corredor que separava a primeira classe da cabine de comando. Parou em silêncio diante do convés de vôo pesadamente reforçado, ainda segurando o pano de prato que havia usado para limpar uma mancha do avental. O passageiro da poltrona 2-K acompanhou o olhar dela até à placa no centro da porta da cabine de comando, onde se lia: área restrita. Proibida a entrada durante o vôo. Enquanto ele observava, a comissária de bordo puxou um comunicador da parede e pressionou um botão que, segundo ele presumiu, servia para conectá-la à cabine de comando. A comissária falou ao microfone e esperou pela resposta. O passageiro viu a expressão do rosto dela mudar enquanto ouvia. Então, vagarosamente, ela voltou a pendurar o comunicador na parede e cobriu a boca com a mão. O rosto dela empalideceu quando se voltou para encarar os passageiros. O homem ajeitou os óculos na ponte do nariz e começou a se levantar. Por favor, fique sentado, ordenou ela. O que está acontecendo?, perguntou uma mulher em tom elevado. Que diabos foi aquele barulho?, interveio outro passageiro. Apesar da ordem da comissária, o passageiro do 2-K se levantou. Tem alguma coisa errada com o avião?, ele quis saber. Não, a aeronave está em ordem, respondeu a comissária, aparentemente ainda tentando assimilar o que tinha acabado de ouvir. Estamos sendo sequestrados?, insistiu o homem. A comissária mordeu o lábio inferior. O comandante Krull disse que atirou no co-piloto e que está prestes a se matar. Ela deu um passo para trás no corredor. Não há como entrar na cabine de comando e impedir que ele faça isso.

Comandante Krull, aqui fala Thomas Wyatt. Alto e empertigado no seu jeans desbotado e camisa de brim, Wyatt estava na pequena varanda na frente do seu chalé com vista para as águas escuras do lago Alligator, na região remota e bravia do norte da Flórida. O senhor pode ouvir-me?, indagou ele no telefone via satélite. Nenhuma resposta. Comandante, estou aqui para ajudá-lo. Estática. Wyatt sabia que havia pelo menos uma centena de pessoas ouvindo a ligação, que tinha sido transferida directamente para o sistema de comunicação da aeronave. Ele visualizou grupos de militares e civis no Departamento de Segurança Interna, no Pentágono, e em outras incontáveis agências, todos inclinados sobre os alto-falantes dos seus aparelhos eletrónicos. E ele sabia que tinha pouco tempo antes que uma tragédia acontecesse. O vôo 45 da Virgin Atlantic emitia o código 7500 de sequestro e não teria permissão para pousar e nem mesmo se aproximar de Nova York com um piloto suicida no comando. Pressionando o fone contra o ouvido, Wyatt insistiu: comandante, não importa o que o tenha levado a isso, ainda há tempo para voltar atrás. Isso não diz respeito apenas ao senhor, comandante, mas também às 280 pessoas inocentes a bordo do seu avião. Elas não merecem morrer. Seja qual for o seu problema, elas não são responsáveis. Vamos deixar o assunto nas mãos dos especialistas que podem resolver o problema para o senhor. Wyatt olhou para o relógio. Sabia que dois Hornets F-18 tinham sido enviados em posição vectorial para interceptar o airbus. Eles obedeciam a regras explícitas de envolvimento com relação ao código 7500: forçar o avião a desviar para um local de pouso seguro ou, se necessário, atirar na aeronave e abatê-la. O airbus, grande e pesadão, não era nenhum desafio para os pilotos de caça.

Comandante, o senhor é um veterano com dezassete anos de experiência, continuou Wyatt, olhando para três páginas de fax que tinha na mão. Muitos pilotos hoje em dia gostariam de chegar à sua posição. O senhor tem família..., filhas gémeas de 10 anos de idade. Está disposto a deixá-las órfãs de pai? Tirar a vida dos passageiros inocentes a bordo afectará a vida de outras centenas, se não milhares de pessoas, com o luto de amigos e parentes. E se levar essa aeronave ao chão com o senhor, o que dizer das vidas em terra? Por que não me diz o que quer..., farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo a conseguir. Ainda não é tarde demais. Wyatt sabia que, normalmente, eram três os motivos para alguém tomar reféns: tortura, assassinato ou suicídio. As informações que havia recebido indicavam claramente o número três. E o número três era a especialidade dele». In Lynn Sholes e Joe Moore, O Último Segredo, 1995, Editora Pensamento, 2015, ISBN 978-853-151-778-5.

Cortesia de EPensamento/JDACT