sábado, 25 de julho de 2020

O Advogado de Deus. Zibia Gasparetto. «Eram amigos há vários anos. Ele era um engenheiro especializado em construção naval. Sua empresa construía navios não só para companhias mercantes…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Você vive rodeado de pessoas conhecidas nas quais não confia e critica pelas costas. Amigo, para mim, é outra coisa. Agora você está sendo radical. Claro que tenho amigos! Mas sei até onde posso ir com cada um deles. São seres humanos, não é, pai? Isso mesmo. Um dia verá que tenho razão. Daniel sorria e não argumentava. De que adiantaria? Ele não era ingénuo como seu pai dizia. Tinha perspicácia para perceber as fraquezas e os limites de cada um, mas por causa disso não era insensível a ponto de ignorar as suas qualidades. Pensava que era mais produtivo incentivar essas qualidades do que ficar criticando e mostrando as falhas. Na adolescência, sempre que alguém criticava uma falha sua, sentia revolta e rancor. Não errava de propósito, mas por não saber fazer melhor. Sentia que as críticas não o ajudavam em nada, davam-lhe apenas uma visão de incapacidade que se ele aceitasse acabaria por incapacitá-lo ainda mais. Maria Alice preocupava-se com as ideias do filho, ao que António respondia: ele é jovem. Isso passa. Vai amadurecer com o tempo. Não sei, não. Às vezes ele me parece tão ingénuo... Não enxerga a maldade. Relaciona-se com qualquer um. Não valoriza nossa classe social. Tem a boa-fé dos moços. O que acha que ele vai encontrar relacionando-se com gente sem cultura ou boa educação? É inteligente. Vai descobrir que o nível de cada um é muito importante. Então, mudará, chegará onde nós estamos. Não se deve preocupar. Maria Alice dirigiu-se à porta principal. Um importante empresário acabava de chegar com a esposa. Ostentando o seu melhor sorriso, foi recebê-los.
Eram amigos há vários anos. Ele era um engenheiro especializado em construção naval. Sua empresa construía navios não só para companhias mercantes como para a marinha brasileira. Muito rico, casara-se com a filha de um ilustre fazendeiro de Minas Gerais, juntando os nomes importantes e as fortunas. Dos três filhos, o mais velho formara-se engenheiro e trabalhava com o pai. O segundo preferira advocacia e o mais novo não se decidira quanto à carreira. Mimado pela mãe, que lhe fazia todas as vontades, gastava o seu tempo desfilando com seu carro último modelo pelas praias da cidade, empenhando-se em gastar o dinheiro da família. Várias vezes o pai o advertira a que se moderasse, mas ele sorria e continuava. Ernesto, inconformado, pressionava a esposa: Angelina, precisa parar de dar tanto dinheiro a Betinho. Esse menino está abusando! Não estuda, não faz nada! Está errado! Ao que ela respondia sorrindo: não seja dramático! Ele é muito jovem. Tem tempo para arcar com as responsabilidades da vida! Maria Alice abraçou Angelina: como vai, querida? Bem. Que festa linda! Obrigada. E você, Ernesto, tudo bem? Tudo. Maria Alice passou o braço pelo de Angelina dizendo: passemos para o salão. António espera-o com ansiedade. Deixando Ernesto em companhia do marido, Maria Alice conduziu a amiga para um recanto agradável, convidando-a a sentar-se. Vendo-a acomodada com um copo de vinho entre os dedos e um pratinho de canapés sobre a mesinha lateral, perguntou: seus filhos virão, Angelina? Uma festa sem a alegria dos moços não tem brilho. Depois, sei de algumas meninas que os estão esperando com ansiedade. Angelina sorriu com satisfação. Ver os filhos serem admirados era a sua melhor recompensa onde quer que fosse. Andrezinho tinha um compromisso, mas ficou de vir mais tarde. Rubinho estava se preparando quando saímos, logo estará aqui. Quanto a Betinho, tem a agenda lotada. Não sei como arranja tantos compromissos. Há sempre alguém esperando por ele em algum lugar. Ficou de vir, mas sabe Deus a que horas.
Maria Alice via com prazer a presença dos dois filhos mais velhos de Angelina. Acariciava a ideia de um dia poder casar a filha com um deles. Quando falava nisso com Lanira, esta invariavelmente respondia: não penso em casar-me, mãe. Mas, se um dia resolver, será com um homem de verdade. André é engenheiro e já trabalha. Além do nome ilustre e de sua grande fortuna, é um moço bonito, fino, elegante. Qualquer moça desta cidade ficaria feliz com um partido desses! Pois que aproveitem! Ele não é o meu tipo. E Rubens? Também é formado. Embora esteja no início da carreira, a sua fortuna e seu nome bastam para que todas as portas lhe sejam abertas. Não tenho dúvida quanto a seu sucesso! É um moreno atraente, elegante! Não me interessa, mãe. Quando eu quiser namorar, posso arranjar eu mesma um pretendente. Não precisa dar-se a esse trabalho. Apesar das evasivas da filha, Maria Alice não desanimava. Os moços eram atraentes e ela acreditava que um dia, quando Lanira estivesse mais amadurecida, perceberia isso. — A qualquer hora serão bem-vindos, respondeu Maria Alice educadamente. E Daniel? Não o estou vendo. Deve estar com os amigos no jardim. Adora conversar. Já os meus preferem dançar. Já notei. Aliás eles dançam divinamente. Na outra sala, distanciados do ruído da festa, António e Ernesto conversavam animadamente. Precisamos unir nossos esforços, dizia António com entusiasmo. As eleições se aproximam. Você pode fazer muito pelo nosso partido». In Zibia Gasparetto, O Advogado de Deus, 1999, Edições Dinalivro, 2005, ISBN 978-858-587-257-1.

Cortesia de EDinalivro/JDACT