quarta-feira, 29 de julho de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. «Grande foi a alegria e o prazer que os cavaleiros da távola redonda tiveram aquele dia, quando se viram todos reunidos»

Cortesia de wikipedia e jdact

Tristão. A Graça do Santo Graal. A Demanda
Como o rei e os cavaleiros viram vir Tristão. Com certeza, amigo, disse Lancelote, ele veio à corte e acabou o assento perigoso e deu cabo da aventura de uma espada, em que nenhum cavaleiro da távola redonda ousou pôr a mão. Mas como soubestes que ele, no dia de hoje, aqui havia de estar? Isto vos direi eu, disse ele, mas em outra oportunidade, não agora. Enquanto isto, eis que o rei saiu em direcção a ele, porque muito estava alegre com sua vinda, e disse-lhe: dom Tristão, sede bem-vindo. E Tristão saudou-o muito educadamente. E o rei disse-lhe: dom Tristão, estou muito alegre com vossa vinda, porque não faltava nenhum dos companheiros da távola redonda, senão vós.

Como o rei falava com Tristão e da alegria dos cavaleiros. Quando os cavaleiros viram que aquele era Tristão com quem o rei falava, foram para lá muito alegres e com grande prazer da sua vinda, porque muito prezavam sua cavalaria e sua cortesia. E assim que viram o escudo, disseram entre si: enganados fomos noutro dia, porque este era o cavaleiro que levava a mulher, e o que derribou os cavaleiros daqui. Grande foi a alegria e o prazer que todos com Tristão tiveram. E ele rogou ao rei que lhe mostrasse Galaaz, o mui bom cavaleiro, e o rei lhe disse que havia ido para a cidade com alguns da linhagem de rei Bam.
Ai, senhor, disse Tristão, fazei que o veja, porque por outro motivo não vim aqui. De bom grado, disse o rei. Então se foram para o paço e desceram. E quando entraram no paço, acharam Galaaz com sua linhagem, que já se desarmaram. E o rei pegou Tristão e levou-o a ele e disse-lhe: amigo Tristão, vedes aqui o que buscais. Em nome de Deus, disse Tristão, bem seja ele vindo, porque com sua vinda estou muito alegre. Então ficou de joelhos diante dele e disse-lhe: Senhor, abençoado seja o dia em que nascestes, quando vos Deus deu tal graça. Galaaz não lhe quis permitir que ficasse assim a seus pés; e depois ergueu-o e beijou-o em significado de companheirismo e de fraternidade. E bem ouvira já dizer que aquele era o mais afamado e o melhor cavaleiro da távola redonda, com excepção de Lancelote apenas.

Como os da mesa redonda tiveram a graça do santo Graal. Grande foi a alegria e o prazer que os cavaleiros da távola redonda tiveram aquele dia, quando se viram todos reunidos. E sabei que, desde que a távola redonda começou, nunca todos assim foram reunidos, mas aquele dia, sem falha, aconteceu que estavam lá todos, mas depois, nunca de novo estiveram. Contra a noite, depois de vésperas, quando se assentaram às mesas, ouviram vir um trovão tão grande e tão espantoso, que lhes semelhou que todo o paço caía. E logo depois que o trovão deu, entrou uma tão grande claridade, que tornou o paço dois tantos mais claro que era antes. E quantos no paço estavam sentados, logo todos foram repletos da graça do Espírito Santo e começaram a olhar uns aos outros, e viram-se muito mais formosos, muito mais do que costumavam ser, e maravilharam-se muito do que aconteceu e não houve quem pudesse falar por muito grande tempo, antes estavam calados e olhavam-se uns aos outros. E eles assim estando sentados, entrou no paço o santo Graal, coberto de um veludo branco; mas não houve um que visse quem o trazia. E assim que entrou, foi o paço todo repleto de bom odor, como se todos os perfumes do mundo lá estivessem. E ele foi para o meio do paço, de uma parte e da outra, ao redor das mesas. E por onde passava, logo todas as mesas ficavam repletas de tal manjar, qual em seu coração desejava cada um. E depois que teve cada um o de que houve mister a seu prazer, saiu o santo Graal do paço que ninguém soube o que fora dele, nem por qual porta saíra. E os que antes não podiam falar, falaram então. E deram graças a Nosso Senhor, que lhes fazia tão grande honra e os confortara e abundara da graça do santo Vaso. Mas sobre todos aqueles que alegres estavam, mais o estava rei Artur, porque maior mercê lhe mostrara Nosso Senhor que a nenhum rei que antes reinasse em Logres. Disto foram maravilhados quantos lá estavam, porque bem lhes pareceu que se lembrara Deus deles, e falaram muito disso. E o rei disse aos que perto dele estavam: com certeza, amigos, muito devíamos estar alegres, que Deus nos mostrou tão grande sinal de amor, que em tão boa festa como hoje, de Pentecostes, nos deu a comer de seu santo celeiro.

Como Galvão começou a demanda do santo Graal. Galvão que sentava diante do rei, disse: Senhor, ainda há outra cousa que não imaginais. Sabei que não há cavaleiro no paço que não houvesse de comer o que pensou cada um em seu coração. E isto nunca houve em nenhuma corte, senão na casa do rei Peles. Mas tanto fomos enganados que o não vimos senão coberto. Quanto em mim é, prometo agora a Deus e a toda cavalaria que, de manhã, se me Deus quiser atender, entrarei na demanda do santo Graal, assim que a manterei um ano e um dia e, porventura mais; e ainda mais digo: jamais voltarei à corte, por cousa que aconteça, até que melhor e mais a meu prazer veja o que ora vi; mas se não puder ser, voltarei então.

Como os da mesa redonda começaram a demanda do santo Graal. Quando os cavaleiros da távola redonda ouviram que aquele era Galvão e viram o que disse, pararam até de comer; mas assim que as mesas foram tiradas, foram todos ante o rei e fizeram aquela promessa que fizera Galvão, e disseram que jamais deixariam de andar até que vissem a tal mesa e tão saborosos manjares e tão bem preparados, como eram aqueles que aquele dia comeram, se era cousa que lhes outorgada fosse por dificuldade e por esforço que sofrer pudessem». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT