quarta-feira, 8 de julho de 2020

O Símbolo Perdido. Dan Brown. «A pouco mais de 15 quilómetros do Capitólio, uma figura solitária se preparava ansiosamente para a chegada de Robert Langdon»


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«(…) Quando Langdon estudava na Academia Phillips Exeter, o uso da gravata era obrigatório seis dias por semana e, apesar da visão romântica do director, segundo a qual a origem da gravata remontava à facélia de seda usada pelos oradores romanos para aquecer as cordas vocais, Langdon sabia que, do ponto de vista etimológico, gravata na verdade vinha de um bando de cruéis mercenários croatas que amarravam lenços em volta do pescoço antes de partir para a batalha. Até hoje, esse antigo traje de combate é usado por guerreiros corporativos modernos, que esperam intimidar os inimigos nas batalhas diárias das salas de reunião. Obrigado pelo conselho, disse Langdon com uma risadinha. Daqui para a frente, vou pensar em usar gravata. Por sorte, um homem de aspecto profissional vestindo um casaco escuro desceu de um Lincoln estacionado junto ao terminal e chamou pelo seu nome. Sr. Langdon? Sou Charles, da Beltway Limusines. Ele abriu a porta traseira. Boa noite. Bem-vindo a Washington. Langdon deu uma gorjeta a Pam para lhe agradecer pela hospitalidade e, em seguida, entrou no interior luxuoso do carro. O motorista lhe mostrou os controles de aquecimento, a água mineral e o cesto de muffins quentinhos. Segundos depois, o Lincoln já seguia por uma rua de acesso exclusivo. Então é assim que vive a outra metade. Enquanto disparava pela Windsock Drive, o motorista consultou a lista de passageiros e deu um telefonema rápido. Aqui é da Beltway Limusines, disse ele, com eficiência profissional. Recebi instruções para confirmar quando o  meu passageiro tivesse chegado de viagem. Ele fez uma pausa. Sim, senhor. Seu convidado, sr. Langdon, já chegou e eu o estou levando para o prédio do Capitólio. Devemos chegar lá antes das sete. De nada, senhor. E desligou. Langdon teve de sorrir. Ele pensou em todos os detalhes. A atenção que Peter Solomon dedicava às minúcias era uma das suas maiores qualidades, algo que lhe permitia administrar com aparente facilidade  seu considerável poder. Alguns bilhões de dólares no banco também não fazem mal.
O professor se acomodou no confortável assento de couro e fechou os olhos à medida que o ruído do aeroporto ia ficando para trás. A viagem até ao Capitólio demoraria meia hora, e ele ficou satisfeito por ter esse tempo sozinho para organizar os próprios pensamentos. Tudo havia acontecido tão depressa naquele dia que só agora Langdon tinha começado a pensar a sério na incrível noite que tinha pela frente. Chegando sob um véu de mistério, pensou ele, divertindo-se com a ideia.

A pouco mais de 15 quilómetros do Capitólio, uma figura solitária se preparava ansiosamente para a chegada de Robert Langdon.

O homem que se apresentava como Mal'akh pressionou a ponta da agulha no couro cabeludo raspado, suspirando de prazer enquanto o instrumento pontiagudo entrava e saía da sua pele. O leve ronco do aparelho elétrico era viciante..., assim como as espetadelas da agulha que penetravam profundamente na sua derme para ali depositar o pigmento. Eu sou uma obra-prima. O objectivo da tatuagem nunca foi a beleza. O objectivo era a mudança. Desde os sacerdotes núbios escarificados de 2000 a.C. até às cicatrizes moko dos maoris modernos, passando pelos acólitos tatuados do culto a Cibele na Roma antiga, os seres humanos haviam-se tatuado como uma forma de oferenda, um sacrifício parcial do próprio corpo, suportando a dor física do embelezamento e sendo por ela transformados. Apesar dos avisos ameaçadores em Levítico 19:28, que proibiam marcas na pele, as tatuagens se tornaram um rito de passagem compartilhado por milhões de pessoas na era moderna, de adolescentes mauricinhos a viciados em drogas e donas de casa suburbanas. O acto de tatuar a própria pele era uma transformadora declaração de poder, um anúncio ao mundo: eu tenho controle sobre a minha própria carne. A embriagante sensação de poder advinda dessa transformação física deixara milhares de pessoas viciadas em práticas de alteração corporal, cirurgia plástica, piercings, fisiculturismo, anabolizantes e até mesmo bulimia e mudança de sexo. O espírito humano anseia por dominar seu invólucro carnal. O relógio de pêndulo de Mal'akh deu uma única badalada, e ele ergueu os olhos. Seis e meia da tarde. Deixando as ferramentas de lado, envolveu o corpo nu de 1,90m no roupão de seda japonês de Kiryu e desceu o corredor. O ar dentro da grande mansão estava pesado com o aroma pungente dos seus pigmentos para a pele e da fumaça das velas de cera de abelha que ele usava para esterilizar as agulhas». In Dan Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.

Cortesia de BertrandE/JDACT