terça-feira, 14 de julho de 2020

O Infante D. Fernando de Portugal, Senhor de Serpa (1218-1246) História da Vida e da Morte de um Cavaleiro Andante. Armando S. Pereira. «… a bula Laerimabilem siquidem Venerabilis fralris, que Gregório IX envia ao arcebispo de Toledo e ao bispo de Leão…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Estudo apresentado em Setembro de 1997 ao seminário A nobreza medieval portuguesa: parentesco, identidade e poder».

«(…) Na verdade, o testamento paterno estabelecia que os infantes só recebessem a sua respectiva parte quando habeant roboram. Fernando atinge os 14 anos em 1232, ano da conquista de Serpa, exige o que lhe é devido e é então que o seu irmão estabelece tal acordo: concede-lhe o senhorio daquela terra a par de uma certa quantia em dinheiro, em troca da renúncia àqueles bens. Homem muito activo mas com fraca capacidade de gestão, pouca atenção parece ter dado à sua terra. Estabelecida aqui a sua residência, é provável que nos primeiros anos daqui tenha partido com a sua mesnada em correrias contra os muçulmanos, podendo até ter participado nas tomadas de Beja, Aljustrel e Alvito, entre 1232-1234. É também verdade que mostra alguma preocupação em se enquadrar nas redes de poder que se iam tecendo na região: em 1235 envia uma carta ao seu homónimo Fernando, bispo de Évora, submetendo à sua jurisdição o castelhim meum de Serpa, e declarando o mesmo bispo patri meo spirituali fidelis filius, entregando-se à sua vassalidade. Mas a estabilidade que as tarefas de gestão patrimonial exigiam, sobretudo numa região tão instável e pobre como era a de fronteira, era avessa a um protagonismo político que desde cedo começa a afirmar. Por volta dos anos de 1236-1237 já se encontra envolvido em graves conflitos que ocorreram em algumas regiões do país, depois as viagens a Roma e Castela, que são os percursos de um atribulado itinerário que termina em deambulações e guerrilhas lá para as terras altas da Beira. Talvez, e em parte como consequência de tudo isto, numa carta de 16 de Outubro de 1273 Afonso III ordenava ao alcaide, juízes e tabelião de Évora que inquirissem sobre as presúrias que tinham sido realizadas desque Serpa fora filhada a Mouros aca ordenando que, a partir daquela data, passem a ser os sesmeiros indigitados pelo concelho a organizar e controlar essas acções populares conducentes à repartição e amanho das terras. Parece, portanto, que o infante, com outros objectivos em mente, pouco cuidado pôs no ordenamento jurídico e administrativo daquele espaço que era o seu, deixando-o à livre iniciativa dos pressores. Perdeu, porém, a oportunidade de criar um poderoso senhorio, enquanto espaço politicamente definido e autónomo, tendo em conta a favorável posição geográfica em que se encontrava, um enclave duplamente fronteiriço, com Castela e com o Islão, o que lhe permitiria ter estabelecido pactos e alianças, o que lhe teria dado a possibilidade de participar directamente na Reconquista e engrandecer-se com os réditos, territoriais e móveis, que daí poderia ter usufruído. Tal como o senhorio que, mais tarde, o infante Afonso, segundo filho de Afonso III, tentou criar na zona de Portalegre, em 1271.
Mas as suas preocupações eram, decerto, outras, os seus olhos de homem da guerra viravam-se para outros horizontes. Horizontes políticos, não espaciais, pois na verdade a estratégica posição de fronteira em que se encontrava proporcionava-lhe muito espaço de actuação, se fosse essa a sua vontade. Ao mesmo tempo que limitava a sua ambição, pois aí estava reduzido a pequeno senhor rodeado de outros maiores, quer fossem os bispos das dioceses quer fossem mestres e comendatários das ordens militares. É assim que, por sua própria iniciativa ou por alguém que o impele a isso, Fernando começa a intervir, de uma forma especialmente brutal, na então conflituosa vida política do Reino. O seu comportamento aparece, neste contexto, como o reflexo das profundas mutações sociais e políticas da primeira metade do século XIII, que atingem o seu ponto crítico no reinado de Sancho II, levando, inclusivé, ao seu afastamento do governo, porque leyxou de fazer justiça, e a uma guerra civil que divide os grandes do país.
Sobre a intervenção do infante neste processo, os informes que nos chegaram provêm exclusivamente do olhar da Igreja, particularmente lesada pelas violências que contra ela foram exercidas: são as numerosas bulas que Ugolino de Óstia, o papa Gregório IX, emitiu, em curto espaço de tempo, sobre o assunto, umas dirigidas aos prelados portugueses e peninsulares, outras ao próprio infante, através das quais podemos tentar delinear os seus projectos e ambições, os seus apoios e as consequências da sua actuação. Apesar de ser um único ponto de vista apenas, o clerical.
Um atrito entre o infante Fernando e Mestre Vicente, bispo da Guarda, levou-o a provocar uma série de tumultos na diocese egitaniense em 1236 ou 1237. É deste último ano, de 29 de Abril, a bula Laerimabilem siquidem Venerabilis fralris, que Gregório IX envia ao arcebispo de Toledo e ao bispo de Leão, incumbindo-os de excomungarem o infante e os seus cúmplices e de lançarem o interdito eclesiástico em todos os lugares onde eles estacionarem, devido às atrocidades que, com audacia delinquendi, cometeram contra as igrejas e prelados de Portugal, dissipando os bens que o bispo e família possuíam em Lisboa e na Guarda e matando vários clérigos em Santarém, entre os quais se contavam alguns que eram scriptores Régis. Os atentados perpetrados pelo infante Fernando contra a igreja e os seus membros foram bem mais graves: além das sanguinolentas perseguições movidas contra a parentela de João Rolis, deão da Sé de Lisboa, teria ainda roubado aos seus familiares, entre outros bens, grandes porções de trigo, cevada e vinho e executado destruições várias, actos em que se teriam envolvido também, grande sacrilégio, alguns muçulmanos a soldo do infante. Não se fica por aqui». In Armando S. Pereira, O Infante D. Fernando de Portugal, Senhor de Serpa (1218-1246) História da Vida e da Morte de um Cavaleiro Andante, LUSITÂNIA SACRA, 2ª série, 10 (1998), Wikipédia.

Cortesia de LusitâniaSacra/Wikipedia/JDACT