domingo, 24 de fevereiro de 2013

Pintura. Homenagem a Julio. “A imagem que de ti compus”. «Num primeiro momento estamos perante a pintura a óleo expressa em cores vibrantes e contrastadas pelo recorte das formas a negro, em que não são só as cores fortes e o traço negro que exprimem uma força do desenho e do gesto, mas também a luminosidade intrínseca que emanam»



(1902-1983)
Vila do Conde
Cortesia de fcg e jdact

Até ao pf dia 7 de Abril de 2013. CAM. Curadoria de António Gonçalves e Patrícia Rosas.

«Esta mostra centra-se sobretudo nas primeiras etapas do percurso artístico de Júlio dos Reis Pereira, destacando o trabalho surrealista e expressionista do pintor. Exposição organizada em parceria entre o CAM – Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Cupertino de Miranda, em que ambas as instituições são depositárias de um forte núcleo de obras do artista nas suas colecções. Julio desenvolveu uma proposta experimental munida de compromisso e entrega impulsionadora de revelações detentoras de essência. Não se dissocia a presença do Poeta, sob o pseudónimo de Saúl Dias, que se espelha na consciência de cada obra, assiste-lhe pois a vontade de um querer ser. Um percurso feito paralelamente à completude que se respirava no contexto nacional, uma aventura realizada por sua conta, firmando-se no que podia apreender nas suas viagens, nas suas leituras, nos seus encontros. Foi a construção de uma singularidade presente na sua obra, que nos reserva a experiência da descoberta e da sensação de ocupação do espaço único. Após a primeira grande e fundamental exposição individual de Julio, em 1935, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa, contra uma crítica preconceituosa, e de uma retrospectiva em 1967 na Cooperativa Árvore, Porto, em 1980 uma exposição retrospectiva realizada na Fundação Calouste Gulbenkian permitiu uma visão panorâmica da singularidade da obra do Julio, abrindo as perspetivas do que tinha sido a constante de um percurso solitário, de uma modernidade cuidada e de uma consciência apurada e informada do acontecimento internacional. Esta exposição acontece, passados 33 anos, num regresso à Fundação Calouste Gulbenkian, no espaço do Centro de Arte Moderna, para agora se revisitarem as primeiras décadas da sua obra. Uma oportunidade de revermos aqueles que foram os momentos cruciais da sua experimentação e de afirmação das mais puras inquietações que demonstraram a originalidade dos seus trabalhos.



Presença foi a revista e o grupo ao qual Julio e Saúl Dias se dedicaram com as participações constantes na actividade e edição deste grupo. José Régio (irmão de Julio), João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca procuraram a almejada alma modernista, com defesa e divulgação de autores como Fernando Pessoa, autor de pseudónimos, numa forte apologia do indivíduo. Também o cineasta Manoel de Oliveira, posicionado através da Presença como artista de vanguarda, realiza em 1965 o filme-documentário As Pinturas do Meu Irmão Julio. Com voz de José Régio, descobrimos através de uma poética pictórica em movimento as pinturas de Julio. Procuramos reunir nesta exposição de homenagem a Julio obras que contemplam a sua primeira fase da pintura, apresentando um primeiro óleo de 1922, Mulheres na Fonte, e uma vez que deixou de pintar a óleo em 1935, vindo a retomá-lo já só nos anos de 1950. Nas décadas de 1930 e 1940, manteve uma actividade de desenho muito intensa, e foi nesta fase que encontrou a base para realizar um trabalho de relevância a partir da prática do desenho que, neste período, não carecia de tantas atenções e até serviria para manter uma certa anulação do academismo, como já vinha a anunciá-lo na sua pintura, demonstrando uma almejada procura da novidade.



Mas num primeiro momento estamos perante a pintura a óleo expressa em cores vibrantes e contrastadas pelo recorte das formas a negro, em que não são só as cores fortes e o traço negro que exprimem uma força do desenho e do gesto, mas também a luminosidade intrínseca que emanam. Representações do corpo feminino como simbologia da sensibilidade, da busca do amor perfeito, do ideal, do mitológico. Mulher que nas pinturas, por vezes, se fazia acompanhar, numa provocação ou, ao invés, até mesmo serventia de homens pesados, gordos com charuto, figuras sinistras, macabras, miseráveis, numa densidade e elevação das formas. Mulheres, aqui, de corpo disforme, e sempre ausente de uma sedução delicada. Uma promiscuidade reveladora de vidas paralelas às instituídas, permanecendo o corpo da mulher num desejo carnal ou assumindo uma velatura da sensualidade. Ou, outras vezes, sozinha, mulher-desejo, musa, ser de simplicidade diária ou anjo de infinita bondade. Figura feminina encantadora, numa nudez pura, acompanhada de flores, jarras, panejamento branco enrodilhado, da lua e das estrelas, na presença de uma janela, de uma fronteira entre o interior e o exterior. Será a mulher presença contínua em toda a obra do Julio, em diferentes explorações e experimentações, nas incursões de abordagens expressionistas, surrealistas ou mesmo abstratas.
Estas mesmas mulheres terão uma outra desenvoltura nos desenhos de pendor surrealista. Aparecem como presença solitária no papel, feitas mancha, feitas linha, feitas formas que se desenvolvem em pressupostos de idílio, onde rosto, mãos e seios sustentam as deambulações dos gestos. É através deste núcleo de trabalhos que podemos observar que a incursão no surrealismo não se faz tanto à imagem de uma qualquer influência de artistas de quem o pintor Julio se identificasse ou apreciasse, aliás, a sua produção antecipa um surrealismo português, faz-se antes pela curiosidade que o alimentava, pela informação de que estava munido, com viagens e livros que auxiliavam a desenvoltura do seu gesto. Mesmo quando a abordagem partiu de uma senda mais abstracta, como nas pinturas Pequenos Animais Sobre a Areia e A Merenda, as linhas ondulantes que estruturam as composições mantêm a sensualidade das mesmas que desenham as mulheres, numa harmonia cromática feita do ritmo das formas em simbiose com os gestos. Estamos perante uma natural curiosidade que serviu de alma a toda a vontade que pautou o desenvolvimento de uma obra tão singular como a que podemos ver hoje». In FCG, Newsletter Gulbenkian Fevereiro de 2013

Cortesia de FCG/JDACT