quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Os Pilares da Diferença. Relações Portugal-África séculos XV-XX. Isabel Castro Henriques. «A Angola do século XIX apenas existe como unidade política e territorial, social e económica no imaginário das autoridades coloniais portuguesas e por extensão europeias»

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Presenças. Fronteiras e espaços angolanos
«É que, apesar do discurso colonial centrado na inexistência de fronteiras e de espaços organizados africanos, os documentos do século XIX mostram de forma inequívoca a existência de uma gestão dos espaços e das fronteiras nas nações africanas, mesmo se não dispondo do aparelho científico, técnico e cartográfico que hoje apoia essas noções, e permite medir, integrar ou excluir. As estruturas políticas africanas organizam-se em função de um território e as suas balizas são conhecidas e controladas de forma cerrada. A existência de relações, de natureza diversa, internações africanas, a curta e a longa distância, sublinha o facto de as fronteiras não impedirem mas antes estimularem a afirmação e a consolidação das complementaridades.
O mesmo é dizer que, durante séculos, as populações africanas se mostraram capazes de assegurar a criação e a modificação, quando tal era necessário, das suas formas de gestão, tendo estruturado os seus Estados, quer dizer espaços politicamente definidos, geridos por instituições de carácter político, servidas por especialistas da função política, como podemos ver em vários exemplos de nações angolanas, como é o caso dos lundas, dos imbangalas e, mais tarde, dos quiocos. Para apenas referir as três nações que fornecem os exemplos deste trabalho, de um vasto espaço socializado, feito de complementaridades, mas balizado e nacionalmente gerido, que se estendia, antes da dominação colonial, para a África central a partir do centro-norte-leste do país angolano do século XX.

A maneira como os portugueses escrevem sobre os africanos e reagem perante eles, no século XIX, é o resultado de uma longa acumulação de juízos de valor negativos e de uma sedimentação de preconceitos, que condicionam não somente as relações mas também os projectos portugueses. Podemos dizer que as condições de produção dos textos se inscreve, por um lado, num longo processo de relações entre os portugueses e os africanos, mas também no quadro mais preciso do tempo. O que quer dizer que estas condições só podem ser explicadas através de uma análise que cruze estrutura e conjuntura, a onga duração e os acontecimentos bem definidos no tempo.
A Angola do século XIX apenas existe como unidade política e territorial, social e económica no imaginário das autoridades coloniais portuguesas e por extensão europeias. Este espaço, situado a sul do Equador, que se estende, na visão europeia, do Atlântico para a África central, define-se através da presença de diferentes unidades políticas africanas que mantêm entre elas longas relações históricas complexas. Estas unidades, estas nações africanas, cujas estruturas económicas, sociais, religiosas e políticas eram de natureza diversa, desempenhavam funções bem definidas e ocupavam posições diferenciadas num sistema hierárquico regional. As relações inter-africanas influenciavam directa ou indirectamente as estruturas políticas e comerciais portuguesas, situadas na costa atlãntica nas regiões de Luanda (1576) e de Benguela (1617), desde os finais do século XVI e princípios do século XVII respectivamente. Os portugueses conservam teoricamente o monopólio europeu das relações com as populações desta região africana; o que significa que a maioria dos documentos relativos a este espaço da África encontra-se em escrita portuguesa, e que as condições da sua produção devem ser compreendidas no quadro das opções políticas e económicas portuguesas». In Isabel Castro Henriques, Os Pilares da Diferença, Relações Portugal-África séculos XV-XX, Caleidoscópio, Ciências Sociais e Humanas, Estudos de História, 2004, Centro de História da U. de Lisboa, ISBN 972-8801-31-9.

Cortesia de Caleidoscópio/JDACT