quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A Derrocada do Absolutismo. Invasão Liberal no Algarve. Mário Domingues. «A entrada do rio era defendida por fortalezas terríveis nos seus flancos. E nos quartéis não faltavam regimentos e munições. Pois tudo se desfez como fumo ao fogo dos rebeldes libertadores, animados de um ideal progressivo…»

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A Esquadra Miguelista Derrotada e Apresada
«Nos começos de Julho de 1833 o regime absolutista instaurado em Portugal pelo infante Miguel já durava havia cerca de meia dúzia de anos. Parecia inabalável.Fizera o dito infante tábua-rasa da Constituição Liberal outorgada, por Pedro IV e proclamara-se rei absoluto, mercê do apoio de uma aguerrida camarilha reaccionária que o servia por meio das perseguições mais odiosas exercidas por autoridades desumanas. Estas encarceravam, espancavam e matavam todos os elementos, mesmo só suspeitos de liberalismo.
A propaganda absolutista era impetuosa e livre, pertencendo as ruas aos arruaceiros, que tinham ordem de cometer impunemente as maiores violências. Nos púlpitos, os padres e os frades, cobrindo de calúnias os parciais da Liberdade, incitando o povo à defesa da fidalguia e dos grandes senhores das terras, exploravam os camponeses, obrigando-os a submeter-se a uma quase servidão.
O que foram esses anos de injustiça, de espantosa iniquidade, de bárbara afronta a todos os sentimentos cristãos que os parciais do infante Miguel afirmavam defender, acha-se minusiosamente descrito no livro Liberais e Miguelistas. Ocioso seria repeti-lo aqui. Afigura-se-nos contudo, indispensável, para mais perfeita elucidação, retomar a evocação dos acontecimentos dessa época, precisamente no dia 5 de Julho de 1833, data em que, por fatal coincidência histórica, o Absolutismo, de raiz feudal, devido a uma luta heróica dos liberais sofria neste país a sua derrota mais profunda, da qual resultaria a entrada triunfante do duque da Terceira em Lisboa, à frente dos combatentes liberais, numa atmosfera de delírio popular verdadeiramente impressionante.
Interessa, primeiro que tudo, recordar como logrou o duque da Terceira, som um punhado de bravos, percorrer vitorioso todo o trajecto desde o Algarve até Lisboa, que se julgava um reduto inexpugnável do miguelismo. Na Capital achava-se o governo com os seus ministérios. No estuário do Tejo permanecia uma esquadra que se proclamava forte. A entrada do rio era defendida por fortalezas terríveis nos seus flancos. E nos quartéis não faltavam regimentos e munições. Pois tudo se desfez como fumo ao fogo dos rebeldes libertadores, animados de um ideal progressivo que escasseava dos combatentes reaccionários, a quem faltavam a razão e a justiça. Mais uma vez a história demonstrou que a força e a violência não bastam para impor o triunfo de uma causa justa. Precisa de convicção e amor.
Rememoremos muito sucintamente os acontecimentos do Porto, onde Miguel, com um exército avaliado em quarenta mil homens, procurava quebrar a heróica resistência daquela cidade em que forças liberais superiormente comandadas pelo duque de Saldanha, respondiam a todos os ataques com urna acção devastadora. E relembremos também que uma esquadra liberal, sob o comando do vice-almirante Napier, largara do Douro no dia 21 de Junho de 1833, com destino àquela província do Sul.
Levava apenas 2 500 homens a bordo. Pelo meio-dia reconheciam a costa da Figueira; no dia seguinte achavam-se à vista de Peniche. Para desorientarem a vigilância de Lisboa, aproximaram-se do cabo da Roca, mas, na noite de 23, já dobravam o cabo de São Vicente e, a 24, achavam-se na costa algarvia. Pelas cinco horas da tarde fundeavam em Cacela, apenas defendida por uma peça, que a fragata almirante fez calar rapidamente. Sem depararem com mais sinais de resistência, desembarcaram os liberais, antes da meia-noite, na praia de A1agoa, a menos de duas léguas de Tavira, entre Cacela e Monte Gordo». In Mário Domingues, A Derrocada do Absolutismo, Evocação Histórica, Edição Romano Torres, série Lusíada, Lisboa, 1977.

Cortesia de R. Torres/JDACT