terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do Pensamento Português. Almir Campos Bruneti. «Anos mais tarde o imperador Vespasiano, ao ser miraculosamente curado de lepra pelo véu da ‘Verónica’, segue para Jerusalém a fim de vingar o Salvador e José é libertado»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lendas Arturianas. A Matéria da Bretanha. A Evolução
«(…) Apesar de Chrétien de Troyes ter sido o autor que primeiro colocou o Graal dentro do contexto da lenda arturiana, não existe qualquer princípio de unidade na sua obra, isto é, os seus romances versificados não têm ligação entre si. Cada um constitui uma história completa muito embora em dois deles, no Ivain e no Lancelot, o cavaleiro Gauvain pudesse ser considerado como elemento de ligação. Entretanto, não há absolutamente nenhum detalhe em qualquer dos romances que autorize a conclusão de que Chrétien pretendia fazer uma sequência do outro. Além disso, não houve por parte de Chrétien em nenhuma de suas obras a tentativa de estabelecer um ciclo arturiano completo uma vez que ele nunca se ocupou em relatar nem o nascimento nem a morte do rei Artur. Coube a um cavaleiro borguinhão, Robert Boron, entre 1191 e 1212, a empresa de realizar em verso um esquema geral da lenda arturiana onde se explicasse também a origem e o significado do Graal e sua transferência de Jerusalém à Inglaterra. Desse modo ele concebe uma trilogia a que dá o nome de La Livres dou Graal. Desta trilogia subsistem apenas a primeira parte, o Joseph ou Le Roman de l’Estoire dou Graal, e 502 versos da segunda parte, o Livre de Merlin. Ambas as histórias foram depois refundidas em prosa.
A versão de Boron está eivada de uma atmosfera fortemente cristianizada uma vez que ele incorpora lendas piedosas no relato da crónica inicial da lenda do Graal. Aqui aparece a figura de José de Arimateia que havia recolhido no cálice (o Graal ?) usado por Cristo na Santa Ceia as últimas gotas do sangue do Salvador. Depois da ressurreição de Cristo, José de Arimateia é aprisionado e o Mestre lhe aparece na prisão e o encarrega de guardar a preciosa relíquia. Anos mais tarde o imperador Vespasiano, ao ser miraculosamente curado de lepra pelo véu da Verónica, segue para Jerusalém a fim de vingar o Salvador e José é libertado. Este transfere-se com sua família para outro local e aí, sob inspiração do Espírito Santo, institui a mesa do Graal em homenagem à da Santa Ceia. Mais tarde, ainda em obediência a uma ordem do Espírito Santo, José confia o Graal à guarda de seu cunhado Bron, o qual segue, em companhia de seus doze filhos, para a Inglaterra a fim de pregar o Evangelho e aguardar a vinda do último guardião do Graal que seria o seu próprio neto. Na segunda parte da trilogia, Boron, usando como fontes principais a Historia Regum Britanniae e a Vita Merlini, de Geoffrey of Monmouth, obras que ele modifica e reelabora livremente, dedica-se a sanar as discrepâncias temporais e materiais da história de modo a tornar crível o aparecimento do Graal dos tempos apostólicos na corte do rei Artur. Boron nos conta como o mago Merlin, filho de um íncubo e de uma virgem, tem poderes que lhe possibilitam ver o passado e o futuro; como Uther, depois da morte de seus irmãos Moine e Pandragon, toma o nome de Utherpandragon e é coroado rei da Inglaterra, e como, a conselho de Merlin, estabelece a Mesa-Redonda sobre o modelo da mesa da Santa Ceia; como Utherpandragon se apaixona por Ygerne, esposa do duque de Tintagel, que recusa o seu amor mas é enganada por ele com o auxílio de Merlin; como o duque é morto em batalha e ,como Utherpandragon casa-se com Ygerne que nessa altura já se encontrava grávida de Artur o qual, ao nascer, é confiado ao cavaleiro Auctor com cujo filho, Keu, é educado; finalmente, como Artur fica sendo rei da Inglaterra após ter sacado a espada de uma bigorna que havia surgido em frente à igreja na manhã do Dia de Natal.
A terceira parte da trilogia, que conta a história de como Perceval, o neto do rei Bron, leva a cabo a aventura do Graal, e como depois da destruição de Artur e seu reino Merlin retira-se para o seu esplumoir e nunca mais é visto, está relatada em prosa na versão conhecida como o Didot-Perceval. Em seguida a Boron aparece, entre os anos de 1215 a 1230, uma nova e vasta compilação homogénea das lendas arturianas. É o que se convencionou chamar de Ciclo do Pseudo-Walter Map, ou Ciclo da Vulgata. Nesta compilação o tema do Graal é pela primeira vez ligado à história do amor adulterino de Lancelote e da rainha Guinevere (Ginebra). O ciclo está dividido em cinco partes:
  • A Estoire del Saint Graal; 
  • A Estoire de Merlin;
  • O chamado Lancelote propriamente dito ou Lancelote em prosa por sua vez dividido em três partes: a) o Enfances Lancelot (também chamado Galeaut); b) o conto da Charrette, baseado em Chrétien de Troyes; c) o Agravain que serve de transição para o romance seguinte; 
  • A Queste del Saint Graal; 
  • A Mort Artu.
In Almir Campos Bruneti, A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do Pensamento Português, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.

Cortesia de SEC/JDACT