terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Macau Histórico. Edição de 1926. Montalto de Jesus. «Mas os mercadores, seduzidos pela expectativa de lucro, vieram sub-repticiamente e construíram casas; e desta forma os francos obtiveram uma admissão ilícita ao império e os estrangeiros começaram a instalar-se em Macau»

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Um reinado de terror criado pelos piratas. O cavalheirismo das armas portuguesas
«(…) No entanto, o Ao-men Ki-lioh (Ou Mun Kei Leok), ou História de Macau, afirma que os portugueses chegaram a Macau em 1550, quando já lá tinha sido concentrado o comércio. Com a finalidade de conseguir facilidade especiais os portugueses subornaram as autoridades de Macau com uma renda de 500 taéis por ano. Como os chineses estavam, então, completamente ocupados em repelir os- piratas japoneses, foi considerado melhor não expulsar os portugueses de Macau, mas manter boas relações com eles, e vigiá-los, atentos a futuras emergências. A crónica de Heangshan pretende que, em 1553, chegaram a Macau alguns navios estrangeiros cujos capitães alegaram que, durante um tufão, artigos que eles traziam como tributo tinham sido molhados pela água do mar e pediam autorização para os secar em terra, ao que o hai-tao assentiu. Nessa altura, foram só levantadas barracas de esteira. Mas os mercadores, seduzidos pela expectativa de lucro, vieram sub-repticiamente e construíram casas; e desta forma os francos obtiveram uma admissão ilícita ao império e os estrangeiros começaram a instalar-se em Macau. Sem tomar em conta ou sem reparar nas discrepâncias reveladas neste discordante trio chinês, Ljungstedt, no seu Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China, impugna a versão de Martinho Melo Castro sem apresentar qualquer prova documental do contrário; e desviando-se do relato altamente preconceituoso, pelas suas características pronunciadamente chinesas, da crónica de Heangshan, explica a presença portuguesa em Macau com o simples facto de, para abrigo temporário e para secar as mercadorias estragadas pelo mar, os mercadores portugueses terem pedido e conseguido autorização para desembarcar e construir cabanas em Macau. Neste deturpado e capcioso relato baseia Ljungstedt os seus argumentos contra a versão portuguesa; e para dar colorido às suas opiniões preconceituosas o sofista recorre à sistemática prevaricação e a conclusões sem escrúpulos deduzidas de factos relativos a uma época, felizmente passada, em que a precária colónia, governada por mandarins, apresentava um aspecto deplorável que em nada se assemelhava à sua originária categoria autónoma. Na primeira edição do Historical Sketch, publicada em Macau em 1832, Ljungstedt atreve-se a conjecturar que a eliminação da pirataria foi uma lenda e o formidável chefe dos piratas, Chang Si Lao, outro não era que o famoso Ching Chi Lung que, à queda dos Ming, combateu os manchus como pretendente ao trono. Referindo-se a um desaparecido golden chop (a chapa de ouro atrás mencionada) pelo qual, supõe-se Macau foi cedido aos portugueses, Ljungstedt objecta que, a ter existido, tal documento poderia ter tido uma transcrição autenticada dos arquivos imperiais da China; e, porque um alegado inquérito em Cantão, como seria de esperar, resultou inútil, conclui que, assim como a derrota de Chang Si Lao, o golden chop é uma mera invenção característica da corrida marcial, que dava valor apenas às possessões que tinham sido conquistadas à ponta da espada. Na edição revista e alargada do Historical Sketch não há a mínima referência ao golden chop e a suspeita quanto à identidade do pirata aparece reduzida à simples interrogação de poder o nome de Chang Si Lao ter sido confundido com o de Ching Chi Lung. Et voilà justement comme on écrit I'histoire.
Uma completa supressão nesta instância teria sido menos desastrada do que esta fraca tentativa de apoiar uma conjectura leviana face a provas históricas convincentes que o contradizem, provas que Ljungstedt evita ou falseia com uma consumada subtileza. E as suas prevaricações são tanto mais odiosas quanto, em grande parte, o Historical Sketch é o fruto de cuidadosas pesquisas feitas por dois literatos portugueses: Miranda Lima, que em tempos projectara escrever ele próprio uma história de Macau, Ljungstedt obteve papéis valiosos; e através do bispo Saraiva teve acesso a uma grande quantidade de documentos de grande interesse histórico. O uso que ele deve ter feito desses papéis pode ser avaliado pela forma como trata os relatos de vários autores. Segundo Mendes Pinto, em 1557, os mandarins de Cantão, a pedido de mercadores nativos, deram Macau aos portugueses, que, tendo transformado a região inculta numa bela colónia europeia, lá viveram tão confiadamente e em segurança como se ela estivesse situada na parte mais segura de Portugal. Mas Ljungstedt põe o muito calunido Mendes Pinto a dizer que os chineses e os portugueses conviviam em Macau porque os mandarins permitiram aos estrangeiros que aqui se fixassem e abstém-se da menor alusão à confiança e à segurança inerentes à posse legítima da colónia». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.

Cortesia da F. Oriente/JDACT