sábado, 8 de fevereiro de 2014

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Os cronistas castelhanos deleitavam-se a narrar como a rainha María de Castilla teve de aceitar ser a madrinha da filha do seu arqui-inimigo. Enquanto D. Leonor se retira, nesse momento, de cena…»

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A Rainha Triste
«(…) Demonstrando uma tenacidade que a sua filha Joana herdaria, D. Leonor escreveu ao então napolitano Alfonso V de Aragão, pedindo-lhe que regressasse à península para defender os seus direitos. Mas o irmão mais velho da rainha não estava de maneira nenhuma disposto a responder a pedidos irrealistas, falta na qual nunca incorreria a filha daquela, e muito menos a deixar, depois de anos de luta, um prestigioso reino duplo que incluía as riquíssimas terras da Sicília, e, sobretudo, uma cidade banhada por uma magnífica baía na qual o Magnânimo tinha constituído uma família com os filhos que a sua esposa não lhe tinha podido dar por ser estéril. Em Março de 1443, Leonor começou a assinar as suas cartas como a rainha triste, qualificativo que muitos anos depois adoptaria a rainha Joana. A exilada negar-se-ia inclusivamente a estar presente com a filha, que nessa altura tinha quatro anos, no palácio de Escalona, para participar na cerimónia de baptismo da filha que o condestável Álvaro de Luna acabava de ter da segunda esposa, uma Pimentel.
Os cronistas castelhanos deleitavam-se a narrar como a rainha María de Castilla teve de aceitar ser a madrinha da filha do seu arqui-inimigo. Enquanto D. Leonor se retira, nesse momento, de cena, os cortesãos mais fiéis do rei de Castela começam a organizar uma acção decisiva para libertar o rei, de uma vez por todas, do peso que constituem a sua esposa e os seus cunhados. Os infantes de Aragão, viúvos, pressentindo esse perigo negoceiam o seu casamento com as filhas de dois poderosos nobres castelhanos, que pensam poderem vir a servir-lhes de aliados na luta final contra o valido. Juan II de Navarra compromete-se com uma mulher que tem menos de metade da sua idade, filha de um Enríquez de sangue real, almirante de Castela e primo afastado da rainha D. Leonor, ao qual o cronista português Fernão Lopes, numa obra escrita naquela época, atribui uma avó judia. Na Castela daquele tempo, além de muitos bispos, os funcionários que trabalhavam na corte eram, em boa parte, filhos de judeus convertidos, pelo que esta circunstância não teria nada de especial não fosse tratar-se do avô do futuro rei Fernando, o Católico.
Por outro lado, o infante Enrique de Aragão, também tio da infanta Joana, casa-se com outra Pimentel, irmã da mulher do valido. As duas prometidas têm assim oportunidade de conhecer a pequena infanta Joana, quando a mãe dela, desta vez, se digna tomar parte nos respectivos casamentos, que tiveram lugar, provavelmente, em Setembro de 1443,no castelo de Torrolobatón, domínio do almirante de Castela. Este lugar aparece referido na chamada Crónica del Halconero, onde também se narra que nessas cerimónias estiveram presentes os reis de Castela e a rainha de Portugal. Ao contrário do príncipe Enrique, ocupado com outros assuntos. Na idade em que algumas infantas começavam a receber as primeiras lições da sua educação, Joana ouviria, sem lhes entender o significado, alguns comentários sobre a importância conseguida pelo seu primo nos últimos meses, graças à intervenção de Juan Pacheco. O futuro marido da infanta conseguira que o rei de Castela lhe fosse transferindo, pouco a pouco, as rendas do principado das Astúrias. Como recompensa por isso, o mordomo-mor do príncipe recebeu a vila de Villena. O seu irmão, Pedro Girón, foi nomeado aguazil-mor de Medina del Campo. Na primavera de 1444, o príncipe dá um passo que influenciará decisivamente a vida da futura segunda esposa. Separa-se da primeira, Blanca de Navarra, depois de quase três anos e meio de convivência durante a qual não fora capaz de consumar o matrimónio.
Enrique abandona Blanca em Segóvia, onde o casal residira, e vai para Ávila, vila onde habita uma muito próspera comunidade judaica, da qual é originário o seu mestre, um bispo de origem judaica convertida. Por influência de Pacheco, Enrique começa então a exercer pressão sobre o ainda sogro, Juan II de Navarra, com a intenção de libertar o seu pai, que então se encontrava na vila de Portillo, novamente junto da sua mulher, a rainha María, a rainha Leonor e a infanta Joana. Ao chegar o príncipe das Astúrias como libertador do seu pai, o irmão das rainhas escapa. E tanto María como a sua irmã Leonor fogem em debandada. É possível que esta seja uma das primeiras aventuras que ficaram gravadas na memória de Joana, que pouco antes fizera cinco anos. A pressa, a tensão da mãe, a agitação da ama, as correrias para reunir a infanta e o seu colaço, os olhares de transtorno dos fiéis servidores... Segundo o testemunho de Palencia referindo-se a María de Castilla, a rainha teve dificuldade em encontrar refúgio mais seguro que o de Arévalo, a vila mais bem fortificada dos seus domínios. Ali vivia, tão atemorizada agora como inimiga de Álvaro no verão anterior. No entanto, servia de grande consolo à rainha a companhia da irmã, a rainha de Portugal.
Depois da fuga de Portillo, ambas as irmãs residiram por um breve período em Arévalo, mas pouco depois cada uma tomou o seu caminho. O palentino atribui a separação das duas rainhas não ao medo de sofrer a vingança do condestável, mas ao facto de este ter descoberto no rei uma nova paixão libidinosa pelos abraços da sua prima, a rainha Leonor». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT