terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus. António B. Coelho. «… a filosofia ‘é a ciência do conhecimento universal da realidade. Além do seu valor teórico, permite também dirigir a vida do homem para o bem. Neste sentido, a verdade da filosofia tem uma missão semelhante à da verdade revelada?»

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Filósofos Orientais
«(…) A característica fundamental dos filósofos árabes medievais, do Oriente ou do Ocidente, é antes de mais o seu espírito enciclopédico. Para o homem culto a sabedoria envolvia todo o saber. Com o saber organizavam uma explicação metafísica do cosmos e dele retiravam aplicações práticas. Na explicação do universo seguiam a via aristotélica, fundada na ideia de matéria-forma, na relação potência-acto e na estruturação substância-acidentes. O comportamento de todo o ente, astral ou terreno, inanimado ou vivo, dependia da sua natureza… O que se movia tinha uma natureza móvel; o que vivia, animada; o que se podia medir, mensurável; o que podia receber uma acção, receptiva. A explicação ficava enredada no universo das palavras. Mas todo o saber desembocava em aplicações práticas: cultivar, curar, medir, contar, navegar. O primeiro grande filósofo árabe helenizante foi Al-kindí, Abu Yusuf ibn Ishaq (Kufa, 796-Bagdade-873) que recebeu o título de filósofo dos árabes. Oriundo da tribo Kinda, da Arábia do Sul, passou a infância em Basra onde o pai era governador. Depois veio para Bagdade e aí gozou do favor dos califas Al-Mamun e Al-Mutasim. Fez traduzir por colaboradores cristãos a Pseudo-Teologia de Aristóteles, uma parte da Metafísica deste filósofo e a Geografia de Ptolomeu. Os alfaquis puseram em dúvida a sua fé e no tempo de Al-Mutawakkil viu a sua biblioteca confiscada e depois restituída. Escreveu mais de duzentos títulos, alguns deles traduzidos na Idade Média para latim por Ibn Dawud e Gerardo de Cremona, e também para hebraico.
Al-Kindí segue Aristóteles na lógica, na física e na biologia mas nega a eternidade do mundo e a concepção intelectualista de Deus. O universo divide-se em dois mundos: o das esferas celestes, submetido ao movimento circular; e o mundo sublunar, condenado à geração e à corrupção. No centro do cosmos, criado por Deus, está a Terra, formada de água, ar e fogo. Num dos seus escritos, a Risala fi hudud al-asya wa rusumuha, estabelece um pequeno dicionário filosófico. A necessidade da definição deveria ser completada pelo exercício da matemática e da lógica. E para alcançar o conhecimento das causas primeiras a dedução era o método necessário. Quanto ao problema da concordância da filosofia e da verdade revelada, Al-Kindí considerou que a filosofia é a ciência do conhecimento universal da realidade. Além do seu valor teórico, permite também dirigir a vida do homem para o bem. Neste sentido, a verdade da filosofia tem uma missão semelhante à da verdade revelada?
Al-Razí, Muhammad ibn Musa (Rayy, Teerão, cerca de 865-Ray-925), médico, alquimista e filósofo, dirigiu o principal hospital de Bagdade e foi um dos mais altos expoentes da medicina muçulmana. Descobriu o vazio. A sua principal obra médica foi Al-Hawi (O Completo), traduzido para latim nos finais do século XIII na Sicília, com o título De Continens. Nesta enciclopédia geral da medicina, reuniu, para cada enfermidade, os diagnósticos dos seus predecessores, Hipócrates, Galeno, médicos indianos, persas e sírios, a que acrescentou as suas próprias observações. Como alquimista, o seu Livro dos Segredos teve larga influência em Paracelso. A concepção do universo de Al-Razí assenta em cinco princípios eternos, herdados do neoplatonismo:
  • Deus, que é a suprema sabedoria;
  • a alma universal, viva mas ignorante;
  • a matéria prima que é composta de átomos;
  • o espaço;
  • o tempo.
Apoiados pela razão, os filósofos, e não os profetas, é que devem despertar as almas do seu letargo material. As almas que não possam ser redimidas do seu apego à matéria pelos filósofos ficarão errando depois da morte do corpo e são os demónios. E se Deus nos deu a razão por que enviaria profetas que se contradizem uns aos outros como acontece com o Corão contraditado pela Bíblia, os cristãos por Maomé, o judaísmo pelos maniqueus. Muitos profetas não passam de demónios ou enganadores dos homens. l-Farabí, Abu Nasr Muhammad b. M. b. Tarjan b. Ozlag (Farab, Turquestão, c. 872-Damasco-950). Residiu em Alepo, visitou o Egipto depois do triunfo dos fatimidas, viveu em Bagdade, depois em Damasco». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.

Cortesia de I.Camões/JDACT