sábado, 17 de agosto de 2019

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «Ele não é o que eu esperava, este rei que lutou para chegar ao trono e apanhou a coroa do meio da lama, num campo de batalha. Esperava que fosse mais como um defensor…»

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«(…) Passou do prazer de a observar para uma sensação de irritação, ao pensar que esta peça sofisticada ia ser colocada na cama fria de Artur. Não conseguia ver aquele rapaz sensato e estudioso a brincar e a provocar a paixão nesta rapariga, prestes a tornar-se mulher. Imaginava que Artur seria desajeitado e que talvez a magoasse, e ela cerraria os dentes e cumpriria o seu dever como mulher e rainha, e mais provável seria ela morrer ao dar à luz; e todo aquele esforço de encontrar uma noiva para Artur teria de ser repetido sem benefícios para si próprio, excepto este desejo irritado e frustrado que ela parecia inspirar-lhe. Era bom que ela fosse desejável uma vez que iria ser um ornamento na sua corte; mas era uma perturbação o facto de ser tão desejável aos seus próprios olhos. Henrique afastou os olhos da dança e consolou-se com a ideia do seu dote, que lhe traria grandes e duradouros benefícios e lhe seria entregue directamente, ao contrário desta noiva que parecia decidida a perturbá-lo, e teria de ir, por muito que isso fosse errado, para o seu filho. Assim que estivessem casados, o seu tesoureiro entregaria o primeiro pagamento do dote: em ouro sólido. Um ano depois, entregaria a segunda parte em ouro e com as suas pratas e jóias. Tendo lutado para chegar ao trono com pouco dinheiro e crédito incerto, Henrique acreditava mais no poder do dinheiro do que em qualquer outra coisa na vida; ainda mais do que no trono, porque sabia que podia comprar um trono com dinheiro, e ainda mais do que nas mulheres, porque essas compram-se facilmente; e mais, bastante mais do que na alegria do sorriso de uma princesa virgem, que interrompera a sua dança, lhe fizera uma reverência e se dirigia a ele sorrindo. Agradei-vos?, perguntou corada e ligeiramente ofegante. O suficiente, respondeu, determinado em que ela nunca soubesse o quanto. Mas agora é tarde e devíeis voltar à vossa cama. Cavalgaremos um pouco convosco de manhã, antes de partirmos para Londres. Ficou surpreendida pela brusquidão da resposta. Voltou a olhar para Artur como se ele pudesse contrariar os planos do pai; talvez ficar junto dela durante o resto da viagem, uma vez que o pai se gabara da sua informalidade. Mas o rapaz nada disse. Como desejardes, Vossa Graça, respondeu polidamente.
O rei assentiu com a cabeça e levantou-se. A corte mergulhou em reverências e vénias profundas, enquanto ela passava diante deles, dirigindo-se ao quarto. Não é assim tão informal, pensava Catalina ao observar o Rei da Inglaterra a circular pela corte, de cabeça erguida. Pode gabar-se de ser um soldado com os modos de um acampamento, mas insiste na obediência e na exibição da deferência. Tal como devia, acrescentou a filha de Isabel para si mesma. Artur seguiu o pai com um rápido Boa noite dirigido à princesa ao sair. Num instante, todos os homens do seu séquito tinham saído, e a princesa estava sozinha com as aias. Que homem extraordinário, observou para a sua preferida, Maria Salinas. Ele gostou de vós, afirmou a jovem. Olhava-vos muito. E porque não gostaria?, perguntou com a arrogância instintiva de uma rapariga nascida no maior reino da Europa. E mesmo que não gostasse, já está acordado, e não pode haver alterações. Esteve acordado durante a minha vida inteira.

Ele não é o que eu esperava, este rei que lutou para chegar ao trono e apanhou a coroa do meio da lama, num campo de batalha. Esperava que fosse mais como um defensor, um grande soldado, talvez como o meu pai. Ao invés, tem um olhar de mercador, um homem que procura o lucro dentro de casa, não um homem que conquistou o reino e a mulher na ponta da espada. Creio que esperava encontrar um homem como Don Hernán, um herói a quem pudesse admirar, um homem a quem teria orgulho em chamar pai. Mas este rei é magro e pálido como um clérigo, em nada semelhante aos cavaleiros dos romances. Pensava que a sua corte fosse mais grandiosa, esperava um grande desfile e um encontro formal com longas apresentações e discursos elegantes, como teríamos feito no Alhambra. Mas ele é abrupto; na minha opinião, é mal-educado. Terei de me habituar a estes modos do Norte, esta pressa em fazer as coisas, estas ordens bruscas. Não posso esperar que sejam bem-feitas ou correctas. Terei de ignorar muita coisa até ser rainha e poder mudá-las. Mas, de qualquer forma, pouco me importa se gosto do rei ou se ele gosta de mim. Ele assinou este tratado com o meu pai e eu fui prometida ao filho. Pouco interessa o que penso dele, ou o que pensa de mim. Não é que tenhamos de tratar de muitas questões em comum. Eu viverei e governarei Gales e ele viverá e governará a Inglaterra, e quando morrer, será o meu marido a ocupar o trono, o meu filho será o próximo Príncipe de Gales, e eu serei rainha. Quanto ao meu futuro marido, deixou-me uma primeira impressão diferente. É tão bonito! Não esperava que fosse tão bonito! É tão louro e pequeno, é como, é como um pajem dos romances antigos. Consigo imaginá-lo acordado a noite inteira, em vigília, ou cantando para uma janela do castelo. Tem uma pele pálida, quase prateada, cabelo dourado e fino, e no entanto, é mais alto do que eu, magro e forte como um rapaz prestes a tornar-se homem. Tem um sorriso invulgar, que surge relutantemente e depois se abre. E é simpático. Isso é muito importante num marido. Foi simpático quando aceitou o copo de vinho que lhe estendi, percebeu que estava a tremer, e tentou confortar-me. O que pensará de mim? Gostava tanto de saber o que pensa de mim». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
                                                                                      
Cortesia CivilizaçãoE/JDACT