quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «A mulher mais velha abanou a cabeça, mas Catarina partiu, de rosto destapado, sentindo-se ao mesmo tempo temerosa e irresponsável pela sua própria ousadia, e viu os homens do duque, em formação na estrada»

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«(…) Tal como o rei decidira, ele e Artur regressaram rapidamente a Windsor na manhã seguinte e a comitiva de Catarina, com a bagagem transportada por mulas, o enxoval dentro de enormes arcas de viagem, as damas de companhia, os criados espanhóis e os guardas do tesouro do seu dote, percorreram as estradas lamacentas até Londres, a um ritmo bastante mais lento.
Não voltou a ver o príncipe até ao dia do casamento, mas quando chegou à aldeia de Kingston-upon-Thames a comitiva parou, para se encontrar com o homem mais importante do reino, o jovem Edward Stafford, duque de Buckingham, e Henrique, duque de York, o segundo filho do rei, que haviam sido designados para a acompanhar até ao Palácio Lambeth. Eu saio, disse Catarina à pressa, saindo da liteira, passando rapidamente pelos cavalos que estavam à espera, não querendo ter mais nenhuma discussão com a estrita aia sobre jovens damas conhecerem homens antes do dia do casamento. Dona Elvira, não digais nada. O rapaz é uma criança de dez anos. Não tem importância. Nem a minha mãe pensaria que teria importância.
Pelo menos, colocai o véu!, implorou a mulher. O duque de Buck... Buck.., seja qual for o nome dele, também cá está. Colocai o véu antes de aparecer à frente dele, pela vossa própria reputação, infanta. Buckingham, corrigiu Catarina. O Duque de Buckingham. E tratai-me por Princesa de Gales. E vós sabeis que eu não posso usar o véu, porque deve ter-lhe sido ordenado que contasse tudo ao rei. Vós sabeis o que a minha mãe disse: que ele é o protegido da mãe do rei, recuperado para os destinos da família, e deve ser-lhe prestado o maior respeito.
A mulher mais velha abanou a cabeça, mas Catarina partiu, de rosto destapado, sentindo-se ao mesmo tempo temerosa e irresponsável pela sua própria ousadia, e viu os homens do duque, em formação na estrada, e diante deles, um rapazinho sem elmo, de cabelo claro brilhando ao sol. O seu primeiro pensamento foi que ele era totalmente diferente do irmão. Enquanto Artur era louro, pequeno e de ar sério, de compleição pálida e olhos castanhos calorosos, este era um rapaz alegre que aparentava nunca ter tido um pensamento sério. Não herdara o rosto magro do pai, tinha a aparência de um rapaz para quem a vida era fácil. O seu cabelo era vermelho-dourado, o rosto redondo ainda de bebé, o seu sorriso, quando a viu pela primeira vez, foi genuinamente amigável e inteligente, e os seus olhos azuis brilhavam como se estivesse habituado a ver um mundo muito agradável. Irmã!, afirmou calorosamente, saltando do cavalo, ouvindo-se o impacto da armadura, e fez-lhe uma pequena vénia. Irmão Henrique, disse, devolvendo a reverência precisamente à altura correcta, tendo em conta que ele era apenas um segundo filho da Inglaterra e que ela era a Infanta da Espanha.
Tenho tanto prazer em conhecer-vos, afirmou rapidamente, num latim rápido, com forte sotaque inglês. Desejava tanto que Sua Majestade permitisse que eu viesse conhecer-vos, antes de vos levar para Londres, no dia do casamento. Pensei que seria tão estranho entrar na igreja convosco e entregar-vos a Artur, se nem sequer tivéssemos falado. Também tenho todo o prazer em conhecer-vos, Irmão Henrique, retorquiu Catarina educadamente, um pouco surpreendida pelo entusiasmo dele. Tendes prazer? Deveríeis estar a dançar de alegria!, exclamou alegremente. Porque o Pai disse que eu poderia trazer-vos o cavalo que deveria ser um dos presentes do dia do casamento, e assim poderemos cavalgar juntos até Lambeth. O Artur disse que deveríeis esperar pelo dia do casamento, mas eu perguntei, porque deverá esperar? Não vai poder montar no dia do casamento. Vai estar demasiado ocupada a casar-se. Mas se lho levar agora, vai poder montá-lo já. Foi simpático da vossa parte. Oh, eu nunca ligo nenhuma ao que o Artur diz, afirmou Henrique animadamente. Catarina teve de se controlar para não soltar uma gargalhada.
Não? Ele fez uma careta e abanou a cabeça. Sério, disse, ireis ficar espantada de quão sério ele é. E estudioso, claro, mas não dotado. Todos dizem que sou muito dotado, para línguas principalmente, mas também para a música. Podemos falar francês, se desejardes, sou extremamente fluente para a minha idade. Sou considerado um músico bastante bom. E é claro, sou um desportista. Caçais? Não, respondeu Catarina, um pouco assombrada. Pelo menos, só acompanho as caçadas quando perseguimos javalis ou lobos. Lobos? Gostaria tanto de caçar lobos. Têm mesmo ursos? Sim, nos montes. Gostaria muito de caçar um urso. Caçais os lobos a pé, como os javalis? Não, a cavalo, replicou. São muito rápidos, temos de levar cães muito rápidos para os cansar. É uma caça horrível». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
                                                                                      
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