terça-feira, 27 de agosto de 2019

Joana. A Louca. Linda Carlino. «Não se afastara muito quando encontrou Fonseca. Nenhum ficou feliz ao ver o outro. Vossa Alteza, posso perguntar por que motivo haveis abandonado o castelo? Vou a caminho da cidade…»

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«(…) O Castelo La Mota encarava ferozmente do cimo de um monte sinistro e isolado o animado mercado de Medina del Campo. Trazendo as notas de troca, gente de toda a Europa enchia o mercado durante as feiras, comprando e vendendo lãs, sedas, cetins e veludos. A praça, desproporcionadamente grande para uma cidade tão pequena, era um festival de cores e sons. Todavia, o castelo ficava distante e altivo; solene, frio, com aposentos húmidos e cheios de mofo, com frequência inundados pelas chuvas da Primavera que enchiam o fosso. Naquele pardacento e ventoso dia de Novembro, o enorme volume do castelo parecia mais inóspito do que nunca. Uma figura magra de preto, segurando nas saias e no manto contra o vento cortante, seguia caminho por entre as ameias, detendo-se ocasionalmente para espreitar na direcção da cidade. Já deviam estar aqui. O que os terá atrasado? Oh, meu Felipe, aí vou eu, aí vou eu, gritava Joana para as rajadas ferozes. Tinha o rosto encolhido enquanto olhava, os olhos pisados de negro.
Desde que acordava, não pensava em mais nada a não ser no regresso para junto de Felipe, que partira havia quase um ano. Entrara em luto no dia em que ele a deixara. Chorava durante horas e não falava em mais nada a não ser Felipe. Como tinha saudades dele, como o amava, como o desejava, como tinha de voltar para junto dele. Após semanas de pedidos ignorados, abatera-se numa profunda melancolia. Aquele estado de espírito mantivera-se durante os oito meses desde o nascimento do filho, Fernando, mas ela ainda não deixara a Espanha. Todavia, não haveria mais demoras, mais desilusões. As desculpas e as promessas constantemente quebradas seriam desnecessárias, pois desta vez fizera os seus próprios preparativos. Margarida, a sua querida Margarida, e até a rainha Ana da França tinham prometido que haveria carroças prontas à espera dela na fronteira. Partiria, apesar de os pais não lhe concederem licença para viajar. Fora assinado um tratado de paz com a França e isto, do seu ponto de vista, era garantia suficiente para a sua viagem segura para Flandres, para junto do marido. A partir daquele dia não seria mais prisioneira. Partiria. Porém, não via sinais dos cavalos. Desceu apressadamente os degraus, mandou chamar meia dúzia dos seus guardas e, sombriamente determinada, atravessou a ponte levadiça para descer o monte até à cidade, pretendendo lidar pessoalmente com os responsáveis pela demora.
Não se afastara muito quando encontrou Fonseca. Nenhum ficou feliz ao ver o outro. Vossa Alteza, posso perguntar por que motivo haveis abandonado o castelo? Vou a caminho da cidade para descobrir por que motivo os cavalos não foram enviados. Está tudo pronto para partir e, agora, essa demora. Não posso imaginar qual é o problema. Alguém será responsabilizado se não houver uma boa explicação. Estamos perdendo tempo valioso. Bom dia, meu senhor. Senhora, não devíeis ir à cidade sozinha. Então, acompanhai-me. Não é preciso. O problema já foi resolvido, mas não devíamos estar aqui ao frio; voltemos para o castelo e explicarei tudo a vós. E conduziu-a de novo pelo portão do castelo. Joana deteve-se, suspeitosa. Dizei-me o que se passa com os cavalos. Não quereis entrar? Não dou nem mais um passo. Os cavalos!? Estão em Medina. É claro que estão em Medina, cortou ela. É por isso que ia a caminho. Não me trateis como uma idiota. Não vêm para cá. Mandei-os para trás. Como vos atreveis? Com que autoridade?, gritou Joana, a raiva quase impedindo-a de falar». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, ISBN 978-972-234-231-5.

Cortesia de EPresença/JDACT