quarta-feira, 28 de agosto de 2019

As 100 Melhores Histórias da Mitologia. AS Franchini e Carmen Seganfredo. «Uma imensa massa negra de nuvens destacou-se dos limites extremos do Olimpo e começou a marchar, num estrondo feroz de carros de guerra que rondam pelos céus»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nascimento e glória de Júpiter
«(…) Vai e liberta os seus irmãos da negra prisão em que estão metidos, para que V. possa assumir o lugar de seu pérfido pai no comando do mundo, disse a águia, estendendo as longas asas, para enfatizar as suas palavras. Júpiter, que era um rapaz extraordinariamente forte e corajoso, acatou imediatamente a sugestão da sua fiel conselheira; auxiliado pela filha do titã Oceano, a suave Métis, tomou posse, então, de uma poderosa erva mágica. Faça com que seu perverso pai beba desta poção e num instante verá regurgitados todos os seus aprisionados irmãos, disse-lhe a bela oceânide. Júpiter conseguiu disfarçar-se de escanção de Saturno, oficial que deveria servi-lo, e ofereceu-lhe a atraente beberagem numa taça de ouro. Que espécie de néctar é este, que tem o brilho de todas as cores e se perfuma de todos os odores?, perguntou Saturno, arregalando o olho para dentro da taça. Um néctar como nunca experimentou igual!, asseverou Júpiter, desviando ao mesmo tempo o olhar da carranca severa do pai. Saturno, após infinitas vacilações, finalmente emborcou o conteúdo da taça. A princípio estalou os beiços, achando maravilhosa a poção. Durou pouco, entretanto, o prazer, pois logo em seguida o velho começou a passar muito mal.
Mas o que é isto?, exclamou Saturno, fazendo-se todo branco. Sinto náuseas fortíssimas! Dali a instantes Saturno começou a regurgitar, um por um, cada um dos filhos que havia ingerido. Pobre deus! Como já fazia muito tempo que os engolira, agora se via obrigado a restituí-los completamente adultos. A incrédula Cibele, que estava junto do esposo, ia recebendo cada um dos filhos com a face lavada em pranto: Oh, Juno querida... Vesta amada... Adorada Ceres... Neptuno, meu anjo! Plutão, meu amor... Com o retorno de seus irmãos, Júpiter havia dado o primeiro e irredutível passo para retirar o poder supremo do mundo das mãos de seu pérfido pai. Exijo, Saturno cruel, que me ceda agora o ceptro do mundo!, exclamou Júpiter, com altivez e confiança. Como ousa levantar mão ímpia contra mim, o soberano do mundo?, exclamou Saturno, repetindo ao filho algo que lhe soava estranhamente familiar. Pressentindo, no entanto, o perigo, Saturno tratou logo de ir procurar os eus antigos irmãos e aliados, os velhos, porém ainda fortíssimos, Titãs. Mas isto é o fim dos tempos!, acrescentou, criando uma frase que as gerações futuras repetiriam sempre que uma civilização entrasse em decadência. A Guerra dos Titãs apenas começava a ser esboçada.

Júpiter e a guerra dos titãs
Não há crónica, antiga ou moderna, que refira de maneira exacta todos os feitos e lances heróicos desta que foi a verdadeira primeira guerra mundial. Ela é demasiado antiga e perde-se na noite dos tempos. Só podemos basear-nos no que dela referiram alguns comentadores tardios, como Hesíodo. Ainda assim, ela houve: os sinais, por tudo, são demais evidentes. A própria geologia comprova que as extintas divindades de outrora, personificações, talvez, dos elementos em estado caótico, se engalfinharam um dia numa luta impiedosa, revolvendo no embate o Céu, a Terra e os mares. Esta gigantesca querela teve início com a pretensão de um filho rebelde, chamado Júpiter, sobre o poder supremo que estava em mãos de uma divindade cruel e despótica, chamada Saturno. Mas quem foram as partes deste espantoso embate? De um lado, liderados por Saturno, estavam ele e seus irmãos, os poderosos Titãs (filhos da Terra). Do outro, Júpiter, o filho insubmisso, e seus irmãos, além de algumas defecções titânicas que se alistaram à causa rebelde, tais como o Oceano e o filho de Japeto, Prometeu.
Os deuses da segunda geração, liderados por Júpiter, foram organizar o seu ataque no monte Olimpo (daí serem chamados de deuses olímpicos), enquanto os Titãs, abrigados no monte Ótris, tramavam a sua defesa. Num dia incerto, que nenhum cálculo humano pode aproximar, deu-se o primeiro lance desta refrega colossal, que os anais bélicos da humanidade baptizaram de Titanomaquia (ou Guerra dos Titãs). Uma imensa massa negra de nuvens destacou-se dos limites extremos do Olimpo e começou a marchar, num estrondo feroz de carros de guerra que rondam pelos céus. O empíreo escureceu de tal forma que o Caos parecia haver gerado de seu ventre uma segunda Noite, ainda mais negra e tétrica do que a primeira. De dentro desta montanha alada, da cor do ferro, partiam raios tão ofuscantes (novidade horripilante inventada pelos Ciclopes, aliados de Júpiter, que este libertara do Tártaro), que por alguns instantes brevíssimos não havia em todo o Universo a menor parcela de escuridão. Mas logo o negror da noite tombava outra vez sobre a Terra, e a alma de tudo quanto vivia agachava-se, oprimida por indizível pavor». In AS Franchini e Carmen Seganfredo, As 100 Melhores Histórias da Mitologia, Deuses, Heróis, Monstros, Guerras da tradição Greco-Romana, L&PM, 2003, 2007, ISBN 852-541-316-X.

Cortesia de L&PM/JDACT