terça-feira, 27 de agosto de 2019

Poesia. Inês Lourenço. «Do fundo da cisterna a tua voz eleva-se e nenhuma masmorra abafa este ardor por ela aceso, no derradeiro véu, a minha pele. Nem as proféticas maldições…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Liturgia
Intensamente te leio e reconheço
o esplendor que me religa
para sempre aos teus olhos, adâmicos,
e indemnes à usura
das palavras do mundo. Nessa nudez
celebras a fuga
de um corcel travestido de cinzas
no rito do poema nascido»

Janus
«A névoa de Janeiro
contagia os olhos, os pés hesitam
nos degraus molhados. Uma
lancinante incerteza desfaz o abrigo
que levantamos junto ao
coração, e os braços, último
dique deixamos ruir
ao longo da pátria assolada
do corpo»

I Will Kiss Thy Mouth
«Do fundo da cisterna
a tua voz eleva-se e nenhuma
masmorra abafa este ardor
por ela aceso, no derradeiro véu,
a minha pele. Nem as proféticas
maldições, nem o teu repúdio,
nem a luxúria do tetrarca
me impedem de cumprir
o mandamento primeiro
da paixão: a colheita
da tua face».

Animais Arrancados em Redor
«Para enterrar um corpo
quantas pequenas ervas
e escondidas larvas
são aniquiladas. O golpe
seco da pá desentranha os
mínimos seres, com
o rumor de um barco vazio
que ainda singra
contra a falésia».

Ephebo
«Sim à harmoniosa proporção,
à linha do pescoço na teia
esvoaçante dos cabelos, ao dorso
flexível, no ímpeto animal dos passos.
Sim ao desafio fascinado dos olhos,
na incerteza nocturna do horizonte».

In Cidália Dinis, Corpo Refectido, Inês Lourenço, Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, Volume XXIII, Porto, 2006, [2008], Wikipedia.

Cortesia de RFLPorto/JDACT