terça-feira, 9 de julho de 2019

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitetura e Urbanismo. Liliana Castilho. «Embora as muralhas propriamente ditas estivessem na sua origem sob jurisdição militar, com a perda gradual da sua função bélica…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Os impostos sobre a compra e venda de produtos eram aplicados apenas no interior da cidade, sendo a venda de alguns géneros fora dela estritamente proibida uma vez que os furtava ao devido imposto (e por serem informados que muitas pessoas desta cidade que vendem lenhas e carqueija e Torga as atravessam e compram muito de madrugada e as vão esperar as estradas e o mesmo fazem os sombreireiros ao carvão mandarão fossem todos notificados por pregões que de hoje em diante nenhua pesoa das que vendem as ditas lenhas as possa comprar se não despois da campa da prima e as não vam esperar aos caminhos com penna de seis mil reis pagos da cadeia aplicados para despesas desta Camera e a terssa parte para o acuzador e que a mesma penna teram os sombreireiros que comprarem carvão antes da campa da prima e de tudo mandaram escrever este termo). Na documentação camarária compilada surgem várias referências à proibição de atravessar (e outro sim na mesma Camera do dito dia mês e anno atrás declarado por rezão das queixas que ouve do excesso das lenhas e expesialmente das carqueijas taxarão cada molho de carqueija a real e meio para os lavradores que a trazem e que nenhuma pessoa de qualquer condissão que seja as travesse ou compre para as tornar a vender antes das des horas do dia com penna de que comprandoa antes das ditas horas pagar cada hua da cadeia por cada vez quinhentos reis metade para o acuzador e a outra metade para despesas da Camera e quando os lavradores que a trazem a vender excedendo esta taxa pagarão também por cada vez quinhentos reis na mesma forma e será a carqueija perdida para os prezos e que as pessoas que a vendem a venderão a dous reis cada molho sob a ditta pena) mercadorias, ou seja introduzi-las na cidade sub-repticiamente, ou vender de agacho (e outro sim na mesma Camera por serem informados he constar com certeza que António Fernandes almocreve desta cidade trouxera lingoados a esta cidade e os vendera de agacho não só hua vez mas muitas estando notificados por muitas vezes com penna de seis mil reis pagos da cadeia não vendesse peixe algum sem almotassaria em a praça, e por ter cahido nesta penna muitas vezes condenarão o dito almocreve em seis mil reis na forma do Acordão e notificação que lhe estava feita), subtraindo os produtos à almotaçaria camarária.
Embora as muralhas propriamente ditas estivessem na sua origem sob jurisdição militar, com a perda gradual da sua função bélica, a sua alçada foi passando gradualmente para o poder civil de quem dependia a sua conservação e gestão. Nesse sentido era o concelho que autorizava ou não qualquer alteração nas mesmas, normalmente solicitada pela tentativa constante, ao longo de toda a época moderna, de apropriação do espaço público por privados no interior da cidade. A construção de edifícios acoplados à muralha nunca foi proibida, mas o seu derrube em caso de necessidade militar ou de ameaça à integridade da muralha ficava sempre a cargo do proprietário do imóvel de acordo com as Ordenações do Reino (toda a pessoa, que tiver campo, ou pardieiro a par do muro da villa, pode-se acostar a elle, e fazer casa sobre elle. Porém fica sempre obrigado, se vier guerra, ou cerco, de a derribar, e dar por ella corredoura, e serventia. E se o muro sobre que assi tiver a casa, ou a que se acostar cair, aquelle que assi tiver a casa, será obrigado a fazer o muro á sua custa. Ordenações e leis do Reino de Portugal consagradas, e estabelecidas pelo Senhor Rei João IV e agora impressas por mandado do mui alto, e poderoso Rei João V, Lisboa Oriental, no Real Mosteiro de São Vicente dos cónegos regulares de S. Agustinho, 1727).
A construção de edifícios utilizando como uma das paredes o pano de muralha resultava numa evidente economia de recursos e numa maior rentabilização do espaço. Exemplo disso é o palheiro construído por Elias de Soural no seu quintal em 1605 feito ao longo do muro da cidade em modo que fica a dita esquina pera a banda do quintal dele suplicante asi a dita belgua não fiqua chegada ao dito muro nem parede». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT