sexta-feira, 26 de julho de 2019

Civilizações Clássicas II. Dinarte Belato. «O Mediterrâneo são muitos mares. A oeste, lá está o Mar de Alboran; no centro, o Mar da Ligúria, o Mar Tirreno e o Adriático; a leste, o Jónico, o Egeu…»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Mediterrâneo e as suas Civilizações
«Estudaremos as civilizações do Mediterrâneo: a civilização grega, a civilização romana e a bizantina. Elas sucederam-se umas após as outras e os seus elos foram propiciados pelas águas do Mar Mediterrâneo. O Mediterrâneo não é apenas o berço dessas civilizações, ele é o meio de contacto e de influência das grandes civilizações do Médio Oriente: do Egipto, da Anatólia e, um pouco mais a leste, da Mesopotâmia. Mais tarde o Império Romano sofrerá o impacto do Cristianismo e este, mais tarde ainda, o impacto do Islamismo. O que é o Mediterrâneo, pergunta-se Braudel, o historiador contemporâneo que, provavelmente, mais o estudou e mais o conheceu. Ele mesmo responde:

Mil coisas ao mesmo tempo. Não uma paisagem, mas inúmeras paisagens. Não um mar, mas uma sucessão de mares. Não uma civilização, mas civilizações sobrepostas umas às outras. Viajar pelo Mediterrâneo é encontrar o mundo romano no Líbano, a pré-história na Sardenha, as cidades gregas na Sicília, a presença árabe na Espanha, o islão turco na Jugoslávia. É mergulhar nas profundezas dos séculos até às construções megalíticas de Malta ou até as pirâmides do Egipto. É encontrar coisas muito velhas ainda vivas, ladeando o ultramoderno; ao lado de Veneza, falsamente móvel, a pesada aglomeração industrial de Mestre. Ao lado do barco do pescador, que é ainda o mesmo de Ulisses, a traineira devastadora do fundo do mar, ou os enormes petroleiros. É ao mesmo tempo emergir no arcaísmo dos mundos insulares e surpreender-se diante da extrema juventude de cidades muito antigas, abertas a todos os ventos da cultura e do lucro, e que, há séculos, vigiam e comem o mar (1988).

O Mediterrâneo são muitos mares. A oeste, lá está o Mar de Alboran; no centro, o Mar da Ligúria, o Mar Tirreno e o Adriático; a leste, o Jónico, o Egeu, o Mar de Mármara ou Propontida e o Mar Negro ou Ponto. O Mar de Alboran é a parte mais ocidental do Mar Mediterrâneo. Limita-se ao norte com a costa espanhola, ao sul com o litoral do Marrocos, a oeste com o estreito de Gibraltar, conexão do Atlântico com o Mediterrâneo. Estende-se a leste até ao cabo da Gata. É a ilha de Alboran que dá nome a esta porção do Mediterrâneo. A importância histórica da Ligúria, do Golfo de Génova e dos acessos e caminhos do continente à península italiana, deu a essa pequena porção do Mediterrâneo o nome de Mar Lígure ou da Ligúria. Logo abaixo, ao sul, no espaço interno delimitado pelo litoral da Itália e as ilhas da Córsega, Sardenha e Sicília, está o Mar Tirreno. É por ele que se tem acesso ao porto de Óstia que, por sua vez, dá acesso a Roma. Entre a península italiana e balcânica está o Mar Adriático, ponto de contacto entre a civilização grega, que se estende mais ao sul ao Mar Jónico que, por sua vez, a leste, dá acesso ao Egipto, à Fenícia e às civilizações do Médio Oriente, e a nordeste dá acesso ao Mar Egeu, o qual, pelo Mar de Mármara, abre caminho ao Mar Negro, e por ele, à Pérsia, à Mesopotâmia e Anatólia. É por isso que o Mediterrâneo são muitos mares, pois [...] é uma encruzilhada muito antiga. Há milénios tudo converge na sua direcção, confundindo e enriquecendo a sua história: homens, animais de carga, veículos, mercadorias, navios, ideias religiosas, arte de viver. E até mesmo plantas (Braudel, 1988).
Originárias daí, só a oliveira, o trigo e a vinha. Aí se adaptaram e aclimataram laranjeiras, limoeiros e tangerinas que vêm da Ásia do leste, da China, trazidas pelos árabes; as figueiras, aloés e cactos, que vêm do norte da África, da Barbária; da América vêm os tomateiros, as batatas, o milho, o tabaco, o girassol. As plantas e outros temperos da gastronomia mediterrânea, que vêm da Índia e do sueste asiático. E para o Mediterrâneo convergiram e ainda convergem povos de todos os continentes, da Europa setentrional, da Ásia e da África.
E conclui Braudel (1988):

Tanto em sua paisagem física como em sua paisagem humana, o Mediterrâneo-encruzilhada, o Mediterrâneo heteróclito apresenta-se nas nossas lembranças como imagem coerente, como um sistema onde tudo se mistura e se recompõe numa unidade original. Como explicar essa unidade evidente, esse ser profundo do Mediterrâneo?... A explicação não é somente a natureza... Nem apenas o homem... São ao mesmo tempo as graças da natureza, ou as suas maldições, umas e outras numerosas, e os múltiplos esforços dos homens, ontem como hoje.

Da mesma forma que os rios Nilo, Tigre e Eufrates, também o Indo, Amarelo e Azul são dons da natureza, vantagens dadas potenciais, entretanto só o trabalho secular da sociedade pôde convertê-los em base sólida de civilizações. Assim também é o Mediterrâneo. Foi preciso atravessá-lo, conhecer-lhe a diversidade, os seus ritmos e perigos para convertê-lo em base das civilizações que nas suas margens se fizeram». In Dinarte Belato, Civilizações Clássicas II, Editora Unijui, 2009, ISBN 978-857-429-772-9.

Cortesia de EUnijui/JDACT