segunda-feira, 29 de julho de 2019

O Quarto da Rainha. Segredo de Estado. Juliette Benzoni. «Já não conseguia encontrar as palavras. O escudeiro veio em seu auxílio: e se fôsseis falar à senhora duquesa? Ela espera-vos nos seus aposentos. A minha mãe?»

Cortesia de wikipedia e jdact

A menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«(…) Um belo sorriso esparso, que ele lhe devolveu como pôde, mas que não escapara a dele! A madame Vendôme, de muito mau humor, nesse dia em que desempenhava o papel de chefe de família numa cerimónia que não lhe agradava. Efectivamente, o seu esposo, o duque César, encontrava-se retido no governo da Bretanha, onde se atarefava em criar dificuldades ao homem que mais detestava no mundo: o cardeal Richelieu, ministro do rei Luís XIII. Todavia, durante o regresso, ela nada disse. Quando, após uma noite agitada, François desceu às cavalariças nas primeiras horas da alvorada, teve, no entanto, a surpresa de encontrar o escudeiro de sua mãe, o cavaleiro de Raguenel, que não parava de andar de um lado para o outro no meio das idas e voltas dos moços de estrebaria e dos aguadeiros. François fez de conta que não o vira, mas o empregado  veio ter com ele na altura em que chegava aos portões. Ora bem, meu senhor François, onde pretendeis dirigir-vos a estas horas tão matinais? Dar um último passeio.
Perceval Raguenel era um homem cortês, amável; contudo, François achou-o francamente antipático quando ele lhe perguntou: e para onde contais ir, por favor? Acaso ignorais que temos de regressar a Paris daqui a pouco? O que vos deixa sem tempo disponível. A não ser que tenhais apenas a intenção de dar a volta ao parque... François ficou todo corado: quer dizer, eu...
Já não conseguia encontrar as palavras. O escudeiro veio em seu auxílio: e se fôsseis falar à senhora duquesa? Ela espera-vos nos seus aposentos. A minha mãe? Mas, porquê? Penso que vos dirá. Despachai-vos! Dentro de dez minutos ela irá à capela ler o livro de orações. Como não descortinava maneira de agir de outro modo, François desatou a correr e, alguns momentos mais tarde, uma camareira introduzia-o no quarto onde Françoise Vendôme acabava de se pentear. Era o antigo quarto de Diane Poitiers, uma divisão sumptuosa, mas não muito mais do que o eram as outras vinte e duas daquele castelo quase real. As paredes e o tecto estavam pintados de cores vivas, realçadas a ouro; vários tapetes cobriam o soalho precioso e tapeçarias magníficas aqueciam quase tanto a atmosfera quanto o fogo que ardia na grande chaminé de mármore multicolor. Nessa manhã de Março, o dia passava através das travessas da janela onde se encastoavam vitrais pintados em camafeu cinzento que, podendo dar a ilusão de um relevo e representando cenas do Antigo Testamento, não deixavam filtrar nenhuma luz; no entanto, o fogo e as altas velas de cera branca encarregavam-se disso.
Logo que transpôs a entrada, o jovem fez uma saudação, avançando, em seguida, para a sua mãe, no meio do bailado das acompanhantes que o olhavam sorrindo. Quanto a madame Vendôme, ela não sorria. Ah! Eis-vos aqui! Julie, parece-me que isto está bem, acrescentou, dirigindo-se à sua cabeleireira. Agora deixem-me e ide-vos todas embora. Depois, quando a última aia transpôs a porta: pois bem, onde contáveis ir a estas horas da manhã? Dar um último passeio, senhora, visto que dentro em breve regressaremos a Paris. E para que bandas? Seria para o lado de Sorel? O pequeno príncipe corou sem ousar responder, considerando a mãe com certa apreensão. Na realidade, apesar do cuidadoso amor que lhes dispensava, sem o mostrar excessivamente, Françoise Lorraine-Mercceur, duquesa de Vendôme pelo seu casamento, possuía o dom de impressionar as suas três crianças bem mais que o pai delas, o duque César, cujo carácter jovial e inclinação pelas brincadeiras frequentemente jocosas e cuja despreocupação recordavam muitas vezes as suas origens da região de Béarn (é uma região que corresponde à parte oriental do departamento dos Pirenéus-Atlânticos Unida ao condado de Foix (1290), no século XV passa com este para a casa de Navarra; o futuro rei Henrique IV, rei de Navarra em 1572, foi o último conde de Béarn; Luís XIII anexá-la à Coroa em 1620), faziam dele um interlocutor menos imponente. Isso era devido ao facto de ela se considerar, sobretudo, como serviçal do Senhor, tendo sido educada pela mãe segundo princípios cristãos de grande rigidez que lhe permitiam ostentar uma certa simplicidade no meio do fausto em que a colocavam a sua linhagem, a grande fortuna de que dispunha fora um dos mais belos partidos da Europa e o amor que dedicava a um esposo cujos gostos eram opostos aos seus, salvo no que dizia respeito ao esplendor e ao poder da casa.
César, que era antes de tudo um homem de armas, gostava de despender vastas somas e de levar uma bela vida, enquanto Françoise, afilhada do falecido bispo de Génova, François Sale, amiga de Jeanne de Chantal e dessa prodigiosa personagem a quem chamavam o senhor Vincent, interessava-se, sobretudo, pela salvação eterna dos seus e pela prática de uma caridade que se estendia até bem longe até às prostitutas parisienses das margens do Sena e às do bordel, obrigatoriamente tolerado devido à presença de soldados em Anet. Deste modo, quando uma das crianças devia responder por algum disparate cometido, tinha sempre a vaga impressão de comparecer perante o tribunal do próprio Deus». In Juliette Benzoni, O Quarto da Rainha, Segredo de Estado, 1997, Bertrand Editora, 2000, 2009, ISBN 972-251-097-5, ISBN 978-972-251-821-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT