quinta-feira, 25 de julho de 2019

Agostinho Neto e Agostinho da Silva. Gilson Brandão O. Junior. «Os diálogos entre Brasil e Angola são longevos. As conexões entre as margens do Atlântico Sul construíram-se paulatinamente, mediante um colonialismo secular…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia de Gilson Brandão Oliveira Junior

Exílios. Encontros e desencontros entre intelectuais no Atlântico Sul
«Recebe esta mensagem como saudação fraternal ó negro-qualquer das ruas e das senzalas do mato sangue do mesmo sangue valor humano na amálgama da Vida meu irmão a quem saúdo!» In Agostinho Neto

«Eu não quero ter poder mas apenas liberdade de falar aos do poder do que entenda ser verdade». In Agostinho da Silva

«A pesquisa analisou o intercâmbio ocorrido entre intelectuais e instituições angolanas, portuguesas e brasileiras no período compreendido entre 1944 e 1961, avaliando as suas condições, trocas e influências recíprocas, por meio do estudo das trajectórias dos intelectuais elencados protagonistas: Agostinho Neto, importante poeta da geração da Mensagem, migrou de Angola para Portugal em 1947 para estudar medicina em Coimbra e acabou por envolver-se nas actividades políticas da Casa dos Estudantes do Império em Lisboa, mediante as quais ocupou papel decisivo na luta anticolonial, tornando-se o primeiro presidente de Angola em 1975; Agostinho da Silva, intelectual português que se autoexilou no Brasil em 1944 devido às perseguições políticas do salazarismo, actuou em distintas instituições culturais e académicas neste país, sendo o responsável pela reinauguração das suas relações institucionais com os países africanos diante da criação e direcção do Centro de Estudos Afro-Orientais no final dos anos 1950. Assim, a pesquisa enfocou o processo de construção das suas principais concepções políticas e culturais, demonstrando que a concomitância da sua vivência e a similaridade das suas trajectórias, mesmo que alicerçadas em contextos e experiências diversas, geraram interpretações opostas ao discurso hegemónico colonial, ainda que partissem de temáticas semelhantes. Tal investigação interpretou as afinidades, particularidades e distinções existentes entre eles, e deles com relação a outros intelectuais pertencentes às suas respectivas gerações, demonstrando como os contextos em que cada um actuou, embora substancialmente díspares, também dialogaram entre si. O trabalho fornece subsídios para as reflexões sobre o processo de recuperação dessas ideias no presente».

«Apresentaremos o caminho interpretativo desta pesquisa que versa sobre a pluralidade e a circulação das ideias de intelectuais subalternos actuantes entre as margens meridionais do Atlântico, desde o imediato após-segunda-guerra, até ao início do conflito armado promovido pelos países colonizados contra Portugal. Diferentemente do que poderia sugerir a usual ênfase dos estudos sobre a escravidão, a aproximação entre essas margens perdurou muito além do fim do período escravagista, reconfigurando-se ao longo do século XX com influências e consequências recíprocas e profundas. Entretanto, as representações desse passado compartilhado eram temas constantemente debatidos por esses intelectuais, sobretudo diante da persistência do salazarismo e do colonialismo, pois buscavam repensar as combalidas ideias de nação vigentes até então. Constantemente obliteradas pela historiografia tradicional, as mensagens promulgadas pelos intelectuais subalternos são demasiadamente importantes por trazerem leituras alternativas às narrativas hegemónicas, principalmente quando se trata de momentos como este, eivado de agudas incertezas. Por isso, os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa estão ajustados a este objectivo e serão descritos adiante. A análise dos exílios e dos diversos fluxos e deslocamentos a que foram submetidos, sejam os intelectuais e/ou as suas ideias, serão interpretados como catalisadores da aproximação entre as margens, instigadores de profícuos encontros e desencontros.
Os diálogos entre Brasil e Angola são longevos. As conexões entre as margens do Atlântico Sul construíram-se paulatinamente, mediante um colonialismo secular e cumulativo no qual a escravização de africanos deu a tónica das relações, desde o século XV até o XIX. Sintoma deste forte vínculo foram os protestos que circularam em Luanda quando da emancipação do Brasil, ressoando na aspiração em aderir à sua causa, ensejo que resultou na exigência, por parte da coroa portuguesa, da assinatura de uma declaração na qual os representantes do novo Estado se comprometeriam a não anexar qualquer colónia sua em troca do reconhecimento da independência. De qualquer forma, tal proibição não ameaçou romper as consistentes afinidades nutridas entre as margens meridionais do Atlântico: mesmo com a severa política de controle imposta por Portugal nos seus domínios africanos após a perda do Brasil e do latente senso de decadência dela decorrente (MATOS, 1998), tais contatos foram mantidos diante da extinção oficial do comércio de escravizados (1850) por meio do trato clandestino – o mesmo se pode dizer dos demais tipos de relações, já que elas nunca se resumiram aos empreendimentos esclavagistas.
Não obstante, a segunda metade do século XIX assistiu a alterações substanciais. O sistema classificatório ocidental, emergente desde a época moderna, recebia a sua mais acabada versão com as teorias racialitas oitocentistas (em verdade, seu fundamento manifestava-se desde períodos muito anteriores, pois, apesar da tentativa de justificar (cientificamente) as clivagens entre grupos humanos utilizando as noções homogeneizantes atinentes ao conceito raça ser oriunda dos séculos XVIII e XIX, Carlos Moore (2007) argumenta que ela apenas legitimou distinções precedentes, pautadas por critérios fenotípicos; argumento similar já havia sido defendido e constatado por Lévi-Strauss (1970); já Wallerstein (2007) argumenta que a clivagem entre o mundo ocidental e os demais foi inaugurada no século XVI diante do debate entre Juan Sepúlveda e Bartolomé de Las Casas sobre o direito de intervir (ou não) na vida dos indígenas americanos recém-conquistados, mas que se manteve incólume pelos séculos subsequentes. Nesse sentido, a emergência da moderna filosofia política ocidental estaria atrelada às práticas coloniais, pois o objectivo de legitimar as suas acções intervencionistas coaduna a manutenção do seu poderio pela detração figurativa do Outro, através de representações (morais) antagónicas: cristãos versus pagãos no século XVI, civilizados versus bárbaros no XIX)». In Gilson Brandão O. Junior, Agostinho Neto e Agostinho da Silva, Exílios. Encontros e desencontros entre intelectuais no Atlântico Sul, Tese de Doutoramento em História, Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, 2017.

Cortesia de UBrasília/ICHumanas/JDACT