sábado, 27 de julho de 2019

A Rainha D. Beatriz e a sua Casa. Vanda Lisa L. Menino. «Ao nível das fontes coevas, revelou-se necessário efectuar uma abordagem aos nobiliários medievais, sendo este o nosso ponto de partida. Numa sociedade onde os bens e a posição social»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia a Vanda Lisa Lourenço Menino

«(…) Como resultado da aliança matrimonial estabelecida com o sucessor do trono português, dona Beatriz foi separada de seus pais e trazida para Portugal quando teria apenas três ou quatro anos de idade, passando a ostentar o título de rainha de Portugal no ano de 1325, após o óbito do rei Dinis I, e até 1359, ano da sua morte. Muito se terá passado na sua vida, quer como infanta quer como rainha. Foram quase sete décadas de vivência, entre 1293 e 1359, pelas quais esta mulher não passou incólume. Sabemos, e disso temos a certeza, que a acção governativa do seu marido, que reinou entre 1325 e 1357, pautou, inevitavelmente, a vida desta mulher. Assim, tendo presente o contexto do reinado de Afonso IV, podemos afirmar que este conheceu, ao nível da política externa, diferentes situações de conflito, tais como a guerra entre Portugal e Castela entre 1336 e 1339, mas também a luta contra os muçulmanos, de que constitui episódio cimeiro a batalha do Salado (1340). Por outro lado, ao nível diplomático, ressalta a tentativa de assegurar a paz através dos diversos tratados celebrados com Aragão e Castela, além dos acordos comerciais e de mútua protecção estabelecidos com a Inglaterra. Quanto à política interna, ela foi marcada pelo conflito desencadeado entre o infante e seu pai, o rei Dinis I, mas também entre o monarca português, Afonso IV, e o seu irmão Afonso Sanches; assinalem-se também o grande flagelo da Peste Negra de 1348, com as suas múltiplas consequências a vários níveis, assim como as reformas administrativas e a tentativa de contenção dos abusos senhoriais. No final do reinado de Afonso IV, o país viu-se mergulhado em mais uma guerra, desta vez entre o monarca e o seu filho Pedro, futuro rei de Portugal.
Como foi já referido, os relatos coevos sobre dona Beatriz escasseiam. Deste modo, revelou-se importante e imprescindível uma pesquisa ao nível da documentação manuscrita guardada nos nossos arquivos, principalmente na Torre do Tombo. Aqui encontrámos um conjunto de documentação dispersa por vários fundos. Por regra, o grande número de dados relativos à rainha chegou-nos de forma indirecta, ou seja, vamos encontrá-la em documentação régia ou particular onde, muitas vezes, as informações são escassas e pontuais. Tornou-se, assim, necessário compilar e reunir todas as notícias para tentar obter o maior número de dados possível. Sobre estes não teceremos, por agora, mais considerações, porque todos esses documentos serão utilizados ao longo das próximas páginas.
Ao nível das fontes coevas, revelou-se necessário efectuar uma abordagem aos nobiliários medievais, sendo este o nosso ponto de partida. Numa sociedade onde os bens e a posição social eram transmitidos de forma hereditária, o parentesco ocupava um lugar de destaque. Os nobiliários medievais são obras muito específicas, em larga medida constituídas por listas genealógicas da nobreza medieval, embora, na maior parte dos indivíduos, não exista datação explícita. Para o caso em apreço encontramos informações apenas em dois livros de linhagens. Um deles é o Livro do Deão, escrito entre 1337 e 1340, por Martim Eanes, por encomenda de um deão cujo nome não é referido, mas Luís Krus identifica-o como sendo o deão da Sé de Braga, Martim Martins Zote. O outro é o nobiliário mais célebre, o denominado Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, concluído por volta de 1340 e redigido por Pedro Afonso, bastardo do rei Dinis I e conde de Barcelos. Em ambos os livros as informações relativas à rainha dona Beatriz são unânimes e referem somente os seus laços de parentesco mais próximos, ou seja, os seus pais, os seus irmãos, o facto de ser casada com Afonso IV e os três filhos, fruto deste matrimónio, e que sobreviveram até à idade adulta: dona Maria, rainha de Castela, dona Leonor, rainha de Aragão, e Pedro, sucessor no trono português.
Entre as fontes narrativas, não são despicientes as parcas informações contidas no Livro que fala da boa vida que fez a Rainha Dona Isabel. Esta hagiografia de autor anónimo foi provavelmente elaborada por um membro do clero, logo após a morte da rainha dona Isabel, em 1336. O objectivo principal deste livro seria a exaltação da santidade de dona Isabel, pois a narração do seu percurso cristão encontra-se subordinado à Imitatio Christi. Talvez devido ao facto de dona Beatriz ter vindo moça para Portugal e ter sido criada pelo rei Dinis I e esta rainha dona Isabel segundo cumpria de se fazer em criança de filha de rei, surgem aí algumas referências a esta infanta. A primeira delas está relacionada com a glorificação da sua linhagem e com o seu casamento com o infante Afonso, mas a grande maioria das passagens que lhe são consagradas enaltecem a fé e o exemplo religioso que dona Beatriz também constituía e referem a infanta sempre junto de sua sogra: jazendo a rainha [dona Isabel] em sua cama, a rainha dona Beatriz sendo cerca da cama (…)».In Vanda Lisa L. Menino, A Rainha D. Beatriz e a sua Casa (1293-1359), Tese de Doutoramento em História, Universidade Nova de Lisboa, FCSHumanas, 2012, Wikipedia.

Cortesia de UNL/FCSH/JDACT