terça-feira, 9 de julho de 2019

O Rei do Mercado. O Segredo de Estado. Juliette Benzoni. «Um velho, que devia ser o chefe, aproximou-se do cavalo: monsenhor, será que ficaremos em segurança? O homem que..., residia ali, pertencia ao... Ao senhor Cardeal?»

Cortesia de wikipedia e jdact

A casa para o mar. Três homens ao serviço de Deus. 1638
«O fogo rangia furiosamente, atiçado pelo vento, expelindo para o céu feixes de faíscas e caudais de fumo. O dia nascia. Um dia que se anunciava sombrio e cuja única luminosidade seria fornecida por aquele incêndio expiatório que as pessoas da aldeia vizinha contemplavam amedrontadas, dispostas numa encosta como pássaros empoleirados num ramo. De vez em quando, explodia uma das cargas de pólvora disseminadas pelo castelo, o que ocasionava novas chamas. Daqui a pouco, La Ferrière seria apenas um montão de ruínas sobre as quais a floresta, com a hera e as urtigas, viria reclamar os seus direitos; só a capela permaneceria intacta, protegida pelo largo espaço vazio que a rodeava. Tal fora o desejo de François Vendôme, duque de Beaufort, quando ateara o seu auto-de-fé. Montado a cavalo, no outeiro atrás do qual se dissimulava a aldeola, ele contemplava a realização da vingança incendiária, com a qual retribuía o martírio por que passara Sylvie. Uma vingança incompleta, aliás, dado que só um dos carrascos fora punido mas, cada coisa a seu tempo, e, por ora, François dava-se por satisfeito. Quando as chamas diminuíram, dirigiu o cavalo para a encosta onde os camponeses estavam especados, de boina na mão. Ao verem-no aproximar-se, aconchegaram-se ainda mais uns aos outros. Estavam tão assustados que, por pouco, não se ajoelharam. É verdade que o jovem duque, com as roupas sujas, a tez escurecida e manchas de sangue no ombro, não oferecia um aspecto reconfortante, mas sorriu-lhes, revelando toda a brancura dos dentes, enquanto o seu olhar límpido perdia a dureza de há pouco: quando o fogo se apagar e as cinzas esfriarem, procurareis os restos mortais daqueles que por lá ficaram e dar-lhes-eis uma sepultura cristã. Além disso, aquilo que puderdes recuperar será para vós.
Um velho, que devia ser o chefe, aproximou-se do cavalo: monsenhor, será que ficaremos em segurança? O homem que..., residia ali, pertencia ao... Ao senhor Cardeal? Bem sei, meu amigo. Mas não deixa de ser um criminoso e o que acaba de se desenrolar nesta residência, onde o sangue correu por demais, é a justiça divina! Quanto a vocês, ficai sabendo que não têm nada a temer: falarei com o bailio de Anet e encontrar-me-ei com Sua Eminência em Paris. Tomai!, acrescentou, estendendo a sua bolsa bem recheada. Dividi isso entre vós! Mas não vos esqueceis de rezar pelas almas penadas daqueles que por lá ficaram. Já mais seguro, o homem fez uma saudação e foi ter com os companheiros enquanto Beaufort, trotando devagar, ia ao encontro do seu escudeiro, Pierre Ganseville, de Corentin e dos três guardas que trouxera consigo para a expedição punitiva. Regressemos, senhores!, disse-lhes. Não temos mais nada a fazer aqui. Os aldeãos ficaram no mesmo sítio durante bastante tempo, parados à beira do caminho, até que o vento de oeste trouxe pesadas nuvens carregadas de chuva. A torrente de água molhou-os de tal modo, enquanto fazia gemer o enorme braseiro, que se apressaram a regressar a suas casas para se secarem, enquanto inventariavam as suas novas riquezas. Mais tarde, quando a chuva lhes tivesse concedido a graça de apagar as brasas, seria altura de ir ver o que restava do castelo e de enterrar os seus últimos habitantes com grandes quantidades de água benta, de forma a que não pudessem regressar para assombrar os locais. E também se encomendariam algumas preces...
No castelo de Rueil, o cardeal-duque de Richelieu, ministro do rei Luís XIII, desceu, numa certa manhã de Abril, na direcção dos seus jardins, acompanhado pelo superintendente das Belas-Artes, M. Sublet Noyers, a fim de inquirir do estado de crescimento das recentes plantações de castanheiro. Essas pequenas árvores as primeiras a serem implantadas em França eram uma verdadeira raridade. O Cardeal pagara-as bem caro à Sereníssima República de Veneza que, por seu turno, as importara da Índia, a fim de satisfazer o pedido. Por isso, dedicava-lhes uma atenção quase paternal. Esse dia era importante, pois os jovens castanheiros iam deixar o laranjal e os seus grandes vasos em madeira, para serem colocados numa área que fora especialmente concebida para eles e onde os jardineiros tinham acabado de cavar os buracos destinados a receber os grandes motes de terra que seriam alimentados com estrume de cavalo». In Juliette Benzoni, O Rei do Mercado, O Segredo de Estado, 1998, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-251-989-2.

Cortesia de BertrandE/JDACT