sexta-feira, 12 de julho de 2019

Júlio Dinis. Poesias. Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho). «Aprendemos da mãe é verdadeira; há outra vida, há uma outra estância, tão feliz, quanto esta é passageira»

Cortesia de wikipedia e jdact

A meu irmão
[…]
«Em ambiente de amor desabrocharam
Na infância as flores da existência minha.
Amor de pai, de mãe, de irmãos, douraram
A amena senda, que ante mim eu tinha.

E depois...ai, irmão!Que acerbas dores
Juntos sofremos! Murchas, ressequidas,
Desfolharam-se as mais viçosas flores,
Ceifou a dura morte aquelas vidas.

O belo céu, que nos sorriu na infância,
Em breve se mostrou turbado e triste;
A terna mãe pedira a outra estância
A paz, que neste mundo não existe.

E ai daquele, que no alvor da vida
Perdeu p’ra sempre maternais afagos,
Ai, que bem cedo a vê ser consumida
Por mil anelos, mil desejos vagos.

Ai, bem cedo o sentimos! Separados
Do sol que a infância em luz nos envolvia,
Quais estioladas plantas, assombrados,
A fronte inda infantil, já nos pendia.

E assim viveste! E quando a idade ardente
De mil aspirações te enchia o peito,
Olhaste, e vendo a isolação somente,
Cansado, te deitaste em frio leito.

E eu, em vão no ataúde me curvava,
Em vão hei procurado a tua campa;
A morte de mistérios te falava,
Mas nos lábios do morto o dedo estampa.

Em vão te perguntei: nessa morada
Outros fúlgidos sonhos imaginas?
Ao sair da vida deparaste o nada?
Ou acordaste em regiões divinas?

Mudo ficaste. Os ventos perpassaram,
Soltando queixas no volver das folhas,
E teus lábios imóveis não falaram,
Nem sequer o irmão saudoso olhas.

Meu Deus! Permite que através da lousa
Possa ele ouvir a minha voz ainda,
E desse leito, onde afinal repousa,
Me diga: a vida neste pó não finda;

Me diga: A crença que na leda infância
Aprendemos da mãe é verdadeira;
Há outra vida, há uma outra estância,
Tão feliz, quanto esta é passageira;

Que se encontram os entes mais queridos,
E em eterno amplexo a Deus se humilham;
Que os prazeres em sonhos concebidos
Só há no espaço onde as estrelas brilham».
[…]
In Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho), Poesias, 1859, Publicações Europa-América, 2010, ISBN 978-972-104-585-9.

Cortesia de PEAmérica/JDACT