sexta-feira, 26 de julho de 2019

O Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais. Manuel C. Pimentel. «O ciclo que se projecta de Ourique à Restauração coincide com a idade de ouro do mito. Foi este o período do mais fundo labor dos intelectuais na estruturação do nosso imaginário mítico»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa

História concisa do mito de Portugal
«(…) Os mitos históricos são uma forma de consciência fantasmagórica com que um povo define a sua posição e a sua vontade na história do mundo». In António José Saraiva

«O que aqui governa no mito são os arquétipos do inconsciente colectivo e estes só desaparecem quando a comunidade que neles se revê fatalmente morre, e funestamente a acompanha o mito. A reintegração do mito de Portugal nas diferentes fases da história do País responde à singularidade das vivências dos Portugueses, obedece à matriz da sua identidade, propõe-se à aceitação e ao antagonismo, reluz ou obscurece-se no curso das mudanças profundas da realidade nacional e nos múltiplos aspectos das opções e caminhos desta. Morrem as gerações, morrem os impérios. Só o mito não morre. Da mais antiga à história mais recente, são seis os principais marcos cronológicos do surgimento, formação e consolidação do mito de Portugal: 1139--1140 (batalha de Ourique e fundação da nacionalidade), 1415-1697 (da tomada de Ceuta, que inicia a Expansão, à Restauração e à morte do padre António Vieira), 1870 (Geração de 70 e ideia de decadência), 1910 (Primeira República), 1933-1974 (Estado Novo) e 1974 (25 de Abril).
O ciclo que se projecta de Ourique à Restauração coincide com a idade de ouro do mito. Foi este o período do mais fundo labor dos intelectuais na estruturação do nosso imaginário mítico, que, depois de 1578, definitivamente trouxe o sebastianismo ao seu veio principal, confundindo o mito de el-rei Sebastião com o próprio mito de Portugal, deste tornado, entretanto, indelével, pese o facto de não ser sebástica a sua génese, muito anterior que é ao desastre de Alcácer-Quibir (1578) e à perda da independência de Portugal. O problema comum que está na génese do mito do império, que respeita a um dos substratos mais antigos do mito de Portugal e subsiste inteiro no período do jugo filipino (1581-1640), é o da independência. O relato do milagre de que foi protagonista Afonso Henriques em Ourique, que encontramos pela primeira vez na Crónica de Portugal de 1419, visa explicitamente, com o maravilhoso cristão que constitui o seu fundo de lenda, o tratamento heróico e épico de Afonso Henriques, remontando o seu poder de príncipe e o reconhecimento da sua soberania, em face dos soberanos peninsulares, incluindo os mouros, a uma linhagem que descende directamente de Deus, substancialmente alheia ao tempo histórico pela prova do milagre, que confirma providencialmente a sua figura de entre os seus pares e conforma a aceitação que estes dele fazem como rei.
O futuro, na passagem do século XVI para os finais do século seguinte, encarregar-se-ia de apurar e desenvolver este providencialismo da consagração régia de Afonso Henriques, de uma forma muito mais explícita, ordenada para a ideia do primeiro rei como fundador de um reino sem par na história dos reinos conhecidos, de um império que no milagre de Ourique fora prometido, emerso da gesta quinhentista dos Descobrimentos por engenho da Dinastia de Avis e anunciado ao orbe para a dilatação da Fé em Cristo.
A visão imperial do mito de Portugal tem raízes no ainda incipiente providencialismo do milagre de Ourique, e se desabrocha com o saber dos nossos humanistas, incluindo Camões (1525-1579 ou 1580), que é certamente, com os Lusíadas (1572), o maior construtor da arquitectura mitogénica e poética da nossa nacionalidade, só veio efectivamente a alcançar a compleição messiânica e profética, que principalmente a define, depois de desaparecido o monarca Sebastião, a partir da crise sucessória de 1580, quando, na luta contra o domínio filipino, se pôs a história ao serviço da causa da independência e da ideologia, como acontece em Fernão Oliveira (1507-c. 1581) e a sua História de Portugal (1580) 5 e, posteriormente, na historiografia alcobacence com frei Bernardo Brito (1569-1617) e frei António Brandão (1584-1637), autores da Monarquia Lusitana: o primeiro, das duas primeiras partes (1597 e 1609) e o segundo, da terceira e quarta partes (1632).
Se o mito de Portugal muito deve à historiografia que, entre 1580 e 1632, procurou subtraí-lo ao universo da fantasia e da lenda para vesti-lo com as roupagens mais concretas dos factos da história, ainda que pelo expediente das construções ideográficas, como a de Fernão Oliveira, ou da falsificação documental, como acontece com o célebre Juramento de Afonso Henriques, supostamente encontrado nos arquivos de Alcobaça para garantia da dimensão messiânica e imperial de Portugal, seria no passo seguinte, em primeiro lugar com João de Castro (??- c. 1623), o editor das trovas do Bandarra, cuja primeira edição, surgida em Paris com o título Paráfrase e Concordância de algumas Profecias de Bandarra, Sapateiro de Trancoso, é de 1603, e em segundo lugar com o padre António Vieira (1608-1697), que o mito definitivamente evolveria para o sebastianismo, casando-se a promessa do Rei Encoberto com a missão providencial dos Portugueses e seu Império». In Manuel Cândido Pimentel, O Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais, Wikipedia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT