terça-feira, 7 de abril de 2020

D João I. Um retrato épico. Luís Miguel M Ventura. «Clarificar o conceito de poema épico, evidenciando a sua preponderância ao longo dos tempos, em particular em Portugal…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender,

Teu nome, eleito em sua fama
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna».
Fernando Pessoa, in Mensagem

Considerações iniciais
«João I, décimo rei de Portugal e o primeiro da segunda dinastia, foi uma figura de relevo na História de Portugal. A sua vida, mas sobretudo a época conturbada em que viveu foram, ao longo dos séculos, alvo de diversos estudos e investigações que procuraram, tendo em conta os seus propósitos, clarificar o papel que o monarca desempenhou nesse período da nossa História. A Crónica de D. João I, escrita pelo cronista Fernão Lopes no século XV poucas décadas após a morte do Rei, desde cedo se tornou o texto de referência sobre essa época e os seus intervenientes, apresentando um relato organizado e consistente dos acontecimentos históricos em torno da figura histórica de João I (antes e depois de se ter tornado rei). Precisamente por se ter tornado uma obra de referência, os estudos posteriores que se debruçaram sobre a figura de João I (ou, mais genericamente, que tiveram como preocupação desenvolver temáticas como a crise política de 1383-1385 ou a Batalha de Aljubarrota, entre outras) acabaram inevitavelmente por partir sempre do ponto de vista histórico presente nas crónicas lopesianas, não conferindo a merecida atenção a textos de outra índole que igualmente se centram na figura do monarca.
Deste modo, julgamos ser pertinente no momento actual debruçarmo-nos sobre o modo como a figura de João I acaba por ser retratada, não somente nos registos historiográficos desde FL, mas fundamentalmente num género literário muito específico, o poema épico, e particularmente numa epopeia até agora praticamente
desconhecida: a Joanneida ou a liberdade de Portugal defendida pelo senhor rey D.
João I da autoria de José Correia Melo e Brito Alvim Pinto, publicada em 1782. Assim, com esta investigação, pretendemos, em concreto:

Clarificar o conceito de poema épico, evidenciando a sua preponderância ao longo dos tempos, em particular em Portugal;
Compreender as razões que levaram um autor da 2ª metade do século XVIII a elaborar um poema épico, escolhendo como assuntos do mesmo a figura de João I;
a crise de 1383-1385 e o tópico da Liberdade, procurando compreender igualmente a pertinência destes assuntos na contemporaneidade do autor; no fundo, compreender quais foram as motivações que estiveram na base da escrita da Joanneida;
Compreender de que forma é que este texto épico se apropriou (ou não) dos relatos cronísticos que se centram na figura de João I, nomeadamente as crónicas de FL como fonte histórica predominante, de forma a evidenciar o contributo das mesmas para a escrita do Poema;
Compreender o modo como o autor se apropriou de inúmeros registos historiográficos posteriores a FL e a forma como incorporou no seu Poema elementos presentes nessas obras;
Verificar a existência no Poema de elementos que o autor criou per si e questionar a razão da sua criação e inserção no Poema;
Analisar objectivamente a estrutura do texto em causa, comparando-o com a de outros poemas épicos e assinalando os aspectos em que a Joanneida se aproxima ou se afasta do género épico;
Analisar o tratamento que o texto épico faz da figura de João I (que aspectos da figura do monarca são aproveitados em detrimento de outros e que justificações existem para esse emprego) e constatar em que é que isso se aproxima ou se afasta dos relatos historiográficos;
Demonstrar o contributo deste texto para a construção de um retrato mítico da figura de João I, nomeadamente enquanto rei (re)fundador». In Luís Miguel M Ventura, D João I, Um retrato épico, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, 2009.

Cortesia de UAberta/JDACT