quarta-feira, 15 de abril de 2020

Lucrécia Borgia. Jean Plaidy. «Os grandes olhos curiosos de Lucrécia olhavam através de fendas na alvenaria, enquanto os seus dedinhos gordos se enroscavam nos pilares. Ela estava com dois anos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Piazza Pizzo di Merlo
«(…) Você diz coisas deliciosas…, deliciosamente, disse Rodrigo. Eles são meus filhos, e eu os adoro. Nunca me esquecerei do grande serviço que V me prestou ao dá-los a mim, minha adorada. Meu senhor... As lágrimas lhe afloraram aos olhos e ela afastou-as depressa, mas Rodrigo estava olhando para o céu, tamanha era a sua determinação de não as ver. Mas não é bom V morar nesta casa..., uma mulher bela e ainda jovem, com os filhos à sua volta, e só o tio dessas crianças para visitá-la. Meu senhor, se o ofendi de alguma maneira, rogo-lhe que me diga depressa onde foi que errei. V não cometeu falta alguma, minha cara Vannozza. Só fiz esses planos para tornar a vida mais fácil para si. Não quero que ninguém aponte para si e diga: ah, lá vai Vannozza Catanei, a mulher que tem filhos mas não tem marido. Foi por isso que arranjei um marido para si. Um marido! Mas, meu senhor... Rodrigo silenciou-a com um sorriso autoritário. V tem uma filhinha nesta casa, Vannozza; ela está com seis meses. Portanto, tem que ter um marido. Aquilo era o fim. Ela sabia. Ele não teria arranjado um marido para ela se não estivesse cansado dela.
Ele leu os seus pensamentos. Mas não era de todo verdade que ele estivesse cansado dela; ele sempre teria um certo afecto por ela e continuaria a visitar a sua casa, mas seria com o objectivo principal de ver os filhos; havia mulheres mais jovens com quem ele desejava passar as suas horas de lazer. Havia um certo grau de verdade no que ele lhe estava dizendo; achava realmente aconselhável que ela fosse conhecida como uma mulher casada, porque ele não podia admitir que dissessem que os seus pequeninos eram filhos de uma cortesã. Ele disse, rápido: os deveres do seu marido são viver nesta casa, aparecer consigo em público. Acabam aí, Vannozza. O senhor quer dizer? Acha que eu poderia referir-me a qualquer outra coisa mais? Eu sou um amante ciumento, Vannozza. Ainda não aprendeu isso? Eu sei que o senhor é ciumento quando é amante, meu senhor. Ele colocou uma das mãos no ombro dela. Não tenha medo, Vannozza. Nós ficamos juntos por um tempo longo demais para nos separarmos agora. É unicamente pelo bem dos nossos filhos que tomo essa providência. E escolhi um homem tranquilo para ser seu marido. É um bom homem, um homem de grande respeitabilidade, e está preparado para ser o único tipo de marido ao qual eu daria sem me preocupar.
Ela segurou-lhe a mão e beijou-a. E Vossa Eminência virá visitar-nos de vez em quando? Como sempre, minha cara. Como sempre. Agora venha conhecer Giorgio di Croce. Vai ver que ele é um homem de bom temperamento; eu lhe asseguro que não vai ter dificuldades com um homem assim. Ela seguiu-o para dentro de casa, imaginando que tipo de estímulo tinha sido oferecido àquele homem para fazê-lo concordar em casar-se com ela. Não era difícil adivinhar. Praticamente não haveria um homem em Roma que se recusasse a casar-se com uma mulher que o influente cardeal escolhera para si.
Vannozza estava aflita. Não gostava de ser negociada assim, como se fosse uma escrava. Sem dúvida iria manter Giorgio di Croce no lugar dele. Na sala que dava para a praça, ele estava esperando. Levantou-se quando eles entraram, e o cardeal fez as apresentações. O homem de bom temperamento tomou as mãos dela e as beijou; ela o estudou e viu que os olhos lívidos brilharam enquanto ele assimilava o seu voluptuoso encanto. Será que o cardeal percebeu? Se percebeu, não demonstrou.
Da loggia da casa de sua mãe, Lucrécia olhava a praça e observava com um prazer tranquilo as pessoas que passavam. A cidade das sete colinas, lá fora da casa de sua mãe, a deixava fascinada, e seu prazer favorito era escapar para a Iqggia e ficar vendo as pessoas passando pela ponte de Santo Ângelo. Havia cardeais montados em mulas brancas, cujos bridões de prata brilhavam à luz do sol; havia damas e cavalheiros mascarados; havia liteiras, com as cortinas cerradas de modo a tornar impossível ver os seus ocupantes.
Os grandes olhos curiosos de Lucrécia olhavam através de fendas na alvenaria, enquanto os seus dedinhos gordos se enroscavam nos pilares. Ela estava com dois anos, mas a vida com os irmãos fizera com que parecesse mais velha. As mulheres da ala infantil a adoravam porque, embora ela se parecesse com os irmãos, era completamente diferente deles no carácter. A índole de Lucrécia era resplandecente; quando era repreendida por uma falta cometida, ouvia séria e não guardava rancor de quem a repreendia. Não era de admirar que naquela ala infantil, tornada turbulenta pelos dois meninos, Lucrécia fosse considerada uma bênção». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.

Cortesia de ERecord/JDACT