quarta-feira, 8 de abril de 2020

D. João I. Um retrato épico. Luís Miguel M Ventura. «Como consequência do progresso científico e técnico, desenvolve-se em determinados grupos sociais uma confiança optimista nas possibilidades do Homem, visto não já como uma criatura degradada pelo pecado original…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó
A terra espreita.

Mestre, sem o saber, do Templo
Que Portugal foi feito ser,
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender,

Teu nome, eleito em sua fama
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna».
Fernando Pessoa, in Mensagem

Considerações iniciais
«(…) Procedendo a uma análise crítica do poema em causa, centrada em critérios claros e objectivos, pretendemos fundamentalmente com esta investigação dar a conhecer uma obra literária até este momento praticamente ignorada e que, do que nos foi possível apurar, é o único poema épico conhecido que se debruça inteiramente sobre a crise de 1383-1385 e sobre a figura de D. João I.

O Século XVIII: um olhar sobre a História e a Literatura de Setecentos
Num mundo em que a preocupação dos países residia sobretudo no controlo dos mercados, no tráfego internacional e na segurança das rotas comerciais, os estados setecentistas, mais do que proteger as suas próprias fronteiras continentais, procuraram fundamentalmente defender as suas possessões ultramarinas, incentivar as trocas comerciais e controlar com rigor as rotas marítimas. Tal situação fez com que as relações políticas entre os estados europeus se pautassem durante o século XVIII por uma certa tensão e instabilidade, de que foi exemplo a Guerra dos Sete Anos (entre 1756 e 1763), que opôs a França à Grã-Bretanha. No plano técnico/científico, o século XVIII fica marcado, entre outros acontecimentos, pelos progressos técnicos que culminaram na primeira Revolução Industrial. Sobretudo a partir de 1750, a Revolução Agrícola na Grã-Bretanha levou à implementação gradual de inovações nos processos de fabrico e de produção, sendo a partir de 1769, com a invenção da máquina de fiar e com a patente, por James Watt, do motor a vapor, que o mundo económico sofreu provavelmente a sua maior alteração: com a mecanização da indústria, passava-se de uma produção artesanal, feita manualmente, com um reduzido volume de produção e um tipo de fabrico mais individualizado para uma produção fabril marcada pelo fabrico em série e com um volume de produção mais elevado. O Homem compreendia então que pela investigação e pela materialização das suas ideias era possível melhorar as sociedades, modernizá-las, dotando-as dos mecanismos e dos instrumentos necessários para que as mesmas evoluíssem.
Mas todas estas transformações foram igualmente o resultado de relevantes alterações ideológicas que então se começavam a materializar, nomeadamente no seio das duas superpotências setecentistas: a Grã-Bretanha e a França. No plano ideológico, o século XVIII ficou fundamentalmente marcado pelo conflito entre a fé e a razão. Com a expansão da Inquisição (maldita) a partir do século XVI em diversos estados europeus, deixou de existir um pouco por toda a Europa um ambiente favorável e estimulante ao desenvolvimento intelectual e à eclosão de novas ideias. O Clero, fundamentalmente por motivos de ordem religiosa, criara uma rede de censura, procurando reprimir todas as tendências que pusessem em causa a pureza da fé e os bons costumes.
Com o decorrer dos séculos, e sobretudo no século XVIII, as ideias lançadas por ilustres pensadores como Locke, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, entre muitos outros, contribuíram para a reivindicação de novos valores, opostos aos que haviam sido defendidos pelas concepções religiosas. Fruto das contribuições destes e de muitos outros pensadores, o século XVIII fica assim indelevelmente marcado pela propagação em todas as sociedades europeias de uma certa fé optimista da capacidade do Homem para o progresso: as doutrinas racionalistas ganhavam preponderância, defendendo que o Universo era regido por leis físicas rigorosas e as descobertas científicas que dia-a-dia se concretizavam levavam os homens de então a crer que muitos dos males de que o ser humano padecia, mais do que castigos divinos, eram certamente fruto dos erros ou falhas dos próprios homens. Crescia assim a crença numa nova Idade, a Idade da Razão, um tempo em que o Homem, ganhando uma maior confiança em si e nas suas capacidades, se encontrava mais determinado em descobrir as causas e os efeitos do que se passava à sua volta. Como nos dizem Óscar Lopes e António José Saraiva:

Como consequência do progresso científico e técnico, desenvolve-se em determinados grupos sociais uma confiança optimista nas possibilidades do Homem, visto não já como uma criatura degradada pelo pecado original, mas como senhor da Natureza e suas leis, que ele abrangia pelo conhecimento e podia modificar pela técnica. Viu-se a possibilidade de aumentar a riqueza, de diminuir o esforço humano, de tornar a vida mais confortável e até de transformar a sociedade, abolindo os hábitos irracionais, as desigualdades cuja legitimidade a razão não reconhecia. Acreditou-se que a divulgação da ciência, isto é, das luzes, bastaria para dissipar a escuridão das superstições, consideradas como a principal causa dos sofrimentos do Homem. É a esta confiança no poder da ciência para modificar a condição humana que se chama iluminismo. (Lopes e Saraiva, 2000).

In Luís Miguel M Ventura, D João I, Um retrato épico, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, 2009.

Cortesia de UAberta/JDACT