sexta-feira, 3 de abril de 2020

Viagens e Viajantes no Atlântico Quinhentista. Maria Graça Ventura. «A gradual ocupação do litoral resultante da expansão da colonização portuguesa reduziu paulatinamente o número de enseadas acessíveis aos navios franceses na Costa do Pau-Brasil»

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A disputa luso-francesa pelo domínio do Brasil até 1580
Jorge Couto
«(…) As tentativas francesas de criar colónias no Novo Mundo setentrional traduziram-se em rotundos fracassos. No decurso da sua terceira expedição (1541-1542), Jacques Cartier fundou o forte de Charlesbourg-Royal, nas imediações da embocadura do rio de São Lourenço, mas apenas conseguiu resistir dez meses, tendo iniciado a viagem de regresso à Europa em Junho de 1542. Francisco I nomeara, em 15 de Janeiro de 1541, o protestante Jean François de La Rocque, senhor de Roberval, tenente-general do Canadá, Saguenay e Ochelaga. As dificuldades de financiamento e de recrutamento obrigaram o rei e o dirigente da empresa a alistar nas prisões grande parte do contingente de 150 homens e mulheres. A frota de Roberval partiu de La Rochelle em Abril de 1542 e alcançou o seu destino em Agosto. Os colonos franceses reocuparam o estabelecimento fundado por Cartier, rebaptizado de France-Roy, mas não tiveram melhor sorte do que os seus antecessores, pois foram obrigados a retornar à Europa em Setembro de 1543. A oposição dos iroqueses, a dureza das condições climatéricas e o escorbuto dizimaram a maioria dos membros das expedições e contribuíram para o seu insucesso.
A continuada presença de navios franceses nas águas brasílicas constituía, ainda em 1548, um dos obstáculos que mais seriamente afectava o desenvolvimento da colonização lusitana. Em Maio desse ano, o alcaide de Igaraçu informava João III da passagem pela costa pernambucana de numerosas embarcações gaulesas destinadas à região dos potiguaras (que se estendia da Paraíba ao Cearát) e relatava a ocorrência de recontros navais com os franceses.
Luís Góis, residente na vila de Santos, alertava o rei, também em Maio de 1548, para o facto de a Coroa de Portugal correr o risco de perder o Brasil e os seus súbditos as vidas e as fazendas, devido às devastações provocadas no litoral vicentino pelas armadas gaulesas, compostas por sete a oito navios cada, que, desde 1546, demandavam anualmente o Cabo Frio e o Rio de Janeiro. O antigo companheiro de Martim Afonso instava o monarca a fornecer apoio naval aos moradores de São Vicente (mais de 600 portugueses e de 3 000 escravos) para, antes que fosse tarde de mais, expulsar os instrusos daquelas paragens.
Uma análise da conjuntura internacional em 1548 revelava a existência de sérios riscos para a manutenção da soberania lusitana sobre a totalidade do território brasílico. O falhanço das tentativas francesas de fixação no Canadá, bem como a cessação da guerra franco-espanhola criaram condições favoráveis para que o novo rei de França, Henrique II (1547-1559), apoiasse os anseios expansionistas dos seus súbditos normandos e bretões. Apesar de as negociações luso-francesas terem evoluído favoravelmente e permitido que o sucessor de Francisco I concordasse com o projecto de um duplo tribunal de arbitragem, que funcionaria simultaneamente em Paris e Lisboa, para dirimir os conflitos marítimos entre as duas Coroas, João III não nutriria grandes ilusões sobre a política que adoptaria o monarca gaulês relativamente ao Brasil logo que subjugasse a (revolta da gabelu, imposto sobre o sal) na Aquitânia e que terminasse a guerra com Eduardo VI de Inglaterra (1541-1553).
A gradual ocupação do litoral resultante da expansão da colonização portuguesa reduziu paulatinamente o número de enseadas acessíveis aos navios franceses na Costa do Pau-Brasil. As crescentes dificuldades encontradas pelos armadores norrnandos e bretões para manter as linhas comerciais com a América do Sul levaram-nos a envidar esforços no sentido de aliciar Henrique II a adoptar uma política oficial de apoio à penetração gaulesa nas paragens tropicais, até porque as várias tentativas de criação de estabelecimentos no hemisfério setentrional (Canadá), empreendidas pelo seu antecessor, haviam fracassado». In Jorge Couto, Viagens e Viajantes no Atlântico Quinhentista, coordenação de Maria da Graça Ventura, Edições Colibri, Faculdade de Letras de Lisboa, Lisboa, 1996, ISBN 972-8288-21-2.

Cortesia de Colibri/JDACT