quinta-feira, 9 de abril de 2020

Dona Isabel de Portugal. Margarida Sobral Neto. «Os anos de viragem do século XV para o século XVI foram um tempo auspicioso para Portugal, sendo os portugueses protagonistas de grandes feitos. Na verdade, foi no reinado de Manuel I…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Imperatriz Perfeitíssima 1503-1539
«Um olhar demorado sobre o quadro de Ticiano, existente no museu do Prado, representando com mestria o rosto da imperatriz Isabel, apreende de imediato uma sensação de extrema suavidade. Vemos um rosto ligeiramente oblongo encimado por testa alta e cabelos levemente frisados, ornados de caprichosas tranças, que emolduram uma pele clara e acetinada. O nariz é recto e perfeito. A boca é de desenho correcto, pequeno e quase infantil; os lábios cheios parecem transmitir uma extraordinária doçura, como se daquela boca só pudessem sair sons muito agradáveis e palavras calmas de leveza e candura. O queixo, levemente arredondado, completa uma imagem de beleza inquestionável e que idealiza pureza. Mas onde os nossos olhos, necessariamente se demoram, é no olhar da rainha. É um olhar de distância, como se não fixasse qualquer pormenor, antes abrangesse horizontes inteiros de uma paz interior sem mácula. Os olhos de dona Isabel de Portugal penetram no nosso íntimo como uma mensagem de profunda suavidade, e o claro brilho que transmitem trai uma alma singela, talvez quase triste, mas em que se adivinha, além de tudo, uma profunda e cativante ternura. É um olhar desprendido que nos prende fundo até ao âmago.
Esta magnífica representação pictórica da imperatriz foi encomendada por Carlos V a Ticiano, após a morte da sua adorada esposa, companheira e colaboradora. O célebre artista do renascimento, que nunca terá visto a mulher considerada a mais bela do seu tempo, pintou dois quadros póstumos com base em quadros ou medalhões de outros autores, seguindo, ainda, as detalhadas indicações fornecidas pelo amargurado imperador que pretendeu imortalizar na materialidade de uma pintura a representação afectiva da mulher da sua vida. Os artistas que fixaram, em vários suportes materiais, a imagem de Isabel de Portugal construíram uma memória de afectividade, presente igualmente em toda a literatura que a dona Isabel se refere: sejam as fontes coevas, as páginas ficcionadas por autores românticos, ou as da historiografia a ela dedicadas por historiadores espanhóis, nomeadamente a obra clássica de Maria del Cármen Mazario Coleto (D. Isabel de Portugal, Emperatriz y Reina de España, Madrid, 1951) e a síntese mais recente de António Villacorta (La emperatriz Isabel, Madrid, 2009).

O tempo em que a infanta Isabel nasceu e cresceu
Os anos de viragem do século XV para o século XVI foram um tempo auspicioso para Portugal, sendo os portugueses protagonistas de grandes feitos. Na verdade, foi no reinado de Manuel I que se operou a abertura do mundo e se delinearam os eixos centrais do Império Português: abriu-se o caminho marítimo para a Índia e ocorreu o achamento do Brasil. A dimensão dos domínios portugueses inscreve-se na majestática intitulação do monarca: Manuel I por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, d’ aquém de d’ além-mar em África, Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Lisboa tornara-se cabeça de um império e de uma economia mundial, contando, em 1528, com 70 mil habitantes. O Reino era habitado um milhão de almas.
A capital portuguesa tornara-se terra de destino de muitas e variadas gentes. Ao cheiro das especiarias despovoava-se o Reino. O centro político do país, situado no extremo ocidental da Europa, atraía igualmente mercadores vindos de diversas partes interessados nos produtos que os bravos marinheiros, celebrados por Camões, traziam de longínquas paragens: madeiras, plantas e animais exóticos, tecidos e porcelanas finíssimas, ouro, especiarias e outras preciosidades. Por sua vez, o porto de Lisboa funcionava como uma placa giratória aonde chegavam e donde partiam mercadorias para as feitorias do Norte da Europa. Manuel I soube construir e consolidar, de forma hábil e eficaz, a imagem de um poderoso monarca do mundo. A imponente embaixada enviada ao papa Leão X, que levou a Roma preciosidades exóticas, constituiu uma estratégia eficaz para o reconhecimento do domínio português sobre as terras conquistadas, projectando igualmente a representação de um rei que tinha o sonho de construir o império universal da fé cristã. Sendo pioneiros na aventura dos descobrimentos, os portugueses não estavam sozinhos na descoberta dos mares. Na vizinha Castela, conquistadores espanhóis, liderados pelos Reis Católicos, Fernando e Isabel, prosseguiam os mesmos objectivos de expansão pelo mundo. Em 1492, Colombo chega à América central, pensando ter atingido as Índias. Entretanto, descobridores castelhanos prosseguiam as suas conquistas em direcção à América do Sul. Neste contexto, tornava-se urgente demarcar as fronteiras entre os territórios portugueses e espanhóis no além-mar. A prudência, iluminada pela memória trágica das guerras entre os reinos vizinhos ocorridos em finais do século XIV, aconselhava a via da negociação, que se consagrasse num acordo definidor da partilha do mundo entre os monarcas ibéricos». In Margarida Sobral Neto, Dona Isabel de Portugal, Editora QuidNovi, 2011, ISBN 978-989-554-799-9.

Cortesia de EQuidNovi/JDACT