quarta-feira, 23 de março de 2016

A Armada do Papa. Gordon Urquhart. «A maior parte deles eram membros do NC, de fora da paróquia. Mas havia ainda mais surpresas reservadas. O irmão de Rita, Roberto, recorda: nunca tinha visto nada igual àquilo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A igreja da abadia de São Bento, instalada entre frondosas pracinhas de Ealing, na região oeste de Londres, é o resumo clássico da respeitabilidade e da quietude da classe média inglesa. Dirigida pelos monges beneditinos, a ordem do primaz da Inglaterra, cardeal Hume, a abadia é certamente o menos provável ponto de explosão de um conflito que está agitando a Igreja Católica Romana em dimensão mundial. No entanto, esta paróquia de subúrbio foi dilacerada pela presença de um dos mais poderosos movimentos tradicionalistas da Igreja, que, nos últimos dez anos, espalham-se globalmente a partir do sul da Europa, e agora estão virtualmente estabelecidos em quase todas as regiões do mundo. Gozando de patrocínio do mais alto nível, principalmente do próprio papa João Paulo II, estes movimentos têm, no entanto, encontrado uma severa oposição por parte dos cardeais, bispos e membros do laicado, e tem sido estigmatizados como seitas fundamentalistas. Em 1980, aos 18 anos de idade, Rita estava nos primeiros anos de um curso de bioquímica e tinha pela frente uma carreira promissora. Atraente e independente, ela era uma das quatro filhas de uma família muito bem consolidada, da classe média da paróquia da Abadia de Ealing. De volta à sua casa durante as férias, ela envolveu-se com o movimento do Neocatecumenato. A história dela é a clássica história de uma pessoa recrutada por uma seita. Assim que Rita aderiu ao Neocatecumenato (doravante, NC), a sua família notou a mudança. A sua mãe lembra-se ainda: o assunto dela em casa era somente o movimento; tínhamos brigas constantes a respeito disto; aos poucos ela foi transferindo todas as suas afeições para o NC: eles tornaram-se a sua nova família. Finalmente, quando Rita foi ganhando uma nova série de prioridades, toda a comunicação com a família foi interrompida completamente. Isto foi particularmente duro para o pai de Rita, que não é católico e que mantinha um relacionamento muito estreito com a filha. Actualmente, aos 30 anos, ela encontra-se como que presa num relacionamento infeliz com um homem que tem quase o dobro de sua idade. Há muito tempo abandonou uma brilhante carreira numa empresa farmacêutica para dedicar-se ao ideal do NC de cuidar de crianças. Rita tem três filhos, inclusive um de quatro anos que é autista. A família leva uma vida de gente empobrecida, morando numa casa da comunidade camarária, e o emprego do marido como operário não qualificado está permanentemente ameaçado. Depois de vários anos no movimento, quando chegou aos 26 anos ela informou os seus pais que ia casar-se com um homem da comunidade, um dos subgrupos de cerca de 40 membros em que o NC divide os seus seguidores numa paróquia. A mãe de Rita está convencida de que o casamento com um líder do NC, que tem o dobro da idade dela foi um casamento arranjado, e, de facto, alguns relatos sobre práticas do NC confirmam que de facto existem casamentos arranjados, ou pelo menos favorecidos, nas comunidades do NC. Embora os pais de Rita estivessem arcando com as despesas do casamento, eles não tinham nenhum direito a opinar sobre os preparativos. Receberam uma lista de convidados com mais ou menos 200 nomes, a maioria dos quais simplesmente desconheciam. A maior parte deles eram membros do NC, de fora da paróquia.
Mas havia ainda mais surpresas reservadas. O irmão de Rita, Roberto, recorda: nunca tinha visto nada igual àquilo; quando teve início a cerimónia, quem nos deu as boas-vindas foi um líder do NC que não era membro da paróquia; os convidados foram separados em dois grupos absolutamente distintos: os que eram do NC e os que não eram do movimento. Os do NC formavam naturalmente o maior grupo. Outros membros da paróquia ficaram perplexos diante da missa nupcial que durou duas horas e meia e descreveram a cerimónia como um frenético concerto pop, com exibição dos hipnóticos ritmos espanhóis das canções do NC, todas compostas pelo fundador do movimento, Kiko Arguello. Durante os anos seguintes, as relações entre Rita e a sua família ficaram tensas. Isto foi agravado ainda mais pelas tentativas que ela fez de evangelizar os seus vizinhos, entre os quais uma família de judeus que ficaram ofendidos pelo agressivo proselitismo de Rita, característica do NC. A mãe dela tinha começado a resignar-se àquela situação quando, em meados de 1993, ao visitar um dia a casa da filha, soube que ela tinha ido embora levando os filhos consigo. Mais tarde, recebeu um telefonema de Rita dizendo que o seu casamento se havia tornado intolerável e pedindo que a mãe lhe permitisse voltar para casa com as crianças.
Rita e os filhos permaneceram oito semanas na casa da mãe, e durante este tempo ela não teve nenhum contacto com o marido. Mas este período terminou tão abruptamente e tão misteriosamente quanto havia começado, tornando as relações entre Rita e a sua família mais tensas do que nunca. Certa noite ela desapareceu de casa por volta das 18h30, só regressando quando o resto da família já estava dormindo. No dia seguinte, conseguiu declaração da justiça concedendo-lhe a guarda das crianças, com medo de que o pai delas, que não era inglês, tentasse levá-las para fora do país. Durante o café da manhã ela anunciou que iria voltar para o marido com as crianças». In Gordon Urquhart, A Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-222-2.

Cortesia de ERecord/JDACT