terça-feira, 29 de março de 2016

D. Pedro V. O seu Reinado. Júlio Vilhena. «O rei anunciava às Cortes o que elas já sabiam: que havia boas relações entre Portugal e as outras potências; que prosseguiam as negociações para a concordata quanto ao padroado português na Índia…»

jdact e wikipedia

De acordo com o original

«(…) Aprecia a liberdade de comércio nas crises de subsistências: As vantagens da liberdade de comércio nesta questão, como em todas, são grandes e reaes; mas pergunto se há casos em que as circunstâncias se revestem de uma tal força que não lhes convenha obtemperar? Essas circunstâncias são, como muito bem sabe, necessidades e prejuízos. Aqui entendo debaixo do nome de necessidades: a difficuldade de comunicações entre uns pontos do reino e outros, a consequente paralisação do Comércio interno, e o isolamento em que umas terras menos favorecidas ficam relativamente a outras mais favorecidas. Absolutamente falando, Lisboa é dos pontos mais favorecidos pela sua produção e pela facilidade de exportação, mas estas circumstâncias estam-se hoje tornando contra ela para assim dizer. Quanto aos prejuízos, bem sabemos, e a história está aí para atestar a força que eles teem, a fortiori, quando eles invocam o auxilio da fome, ou para falar com mais propriedade, da idea da fome.
E, por fim, estuda a causa geral das crises: Amanhã terei o gosto de vê-lo, e então poderemos falar mais largamente sobre este assuntto que para mim não tem passado despercebido. Falando em geral, e não referindo-me unicamente a Portugal, eu sustentaria, e com o auxílio de boas autoridades, que a carestia na produção de 1855 é meramente relativa, e acha a sua explicação no aumento de população do globo, desproporcionado para o aumento muito menos rápido da cultura do solo. Além disso a questão do ouro, tão bem tratada no Jornal dos Debates por Mr. M. Chevalier, não pode ser estranha a esta e é-lhe para assim dizer correlativa; porque é um facto que o valor dos géneros, a respeito dos quais não se dá a carestia que se dá com os cereais, tem crescido quási na mesma rasão destes últimos. Em Novembro, Fontes partira para Londres e Paris afim de acomodar os credores estrangeiros, queixosos pela conversão dos títulos externos com redução de juros, e de abrir o Stock-Exchange à cotação dos nossos fundos, sem o que não lhe era possível recorrer ao crédito de que absolutamente precisava para continuar a construção das linhas férreas. A vida política ia, pois, animar-se com o regresso de Fontes, que trazia projectos de natureza a despertarem, sem dúvida, o interesse público.

No dia 31 de Dezembro lia, pela segunda ou terceira vez, o rei Pedro V o projecto do discurso da Coroa que lhe enviara o seu ministro do Reino, Rodrigo Fonseca Magalhães. Achava-o longo e desejava esclarecimentos sobre alguns pontos. Eu desejaria, escrevia o rei, em carta dessa data (carta a Rodrigo Fonseca Magalhães, de 31 de Dezembro de 1885), não lhe causando isso incómodo, que por aqui passasse pela volta do meio dia para me dar alguns esclarecimentos, sobre alguns pontos em que se toca no Discurso do Trono. Se possível fosse, eu desejaria que ele fosse mais breve, reservando-se os ministros nos seus relatórios ás camaras a desenvolver os pontos a que nele se alude. Sobre isto falaremos, se por aqui vier. Declaro que concordo com o teor do discurso. Só desejaria poder dizer as cousas em menos palavras. Era o costume, o rei não aprovava nada sem fazer objecções. Depois de prestados os esclarecimentos por parte do ministro e feitas as necessárias amputações na longa e desataviada prosa, foi aberta a sessão no dia 2 de Janeiro com as formalidades do estilo, não faltando o condestável que então era o príncipe Luís, mais tarde rei com o nome de Luis I. Iniciava-se a quarta sessão da legislatura e a primeira sessão parlamentar do novo reinado. Não obstante o amor do rei à brevidade e ao laconismo, o discurso ocupa três colunas no Diário do Governo. É como todos os anteriores e como haviam de ser todos os que vieram no suceder dos anos: uma narração fria, sem estilo, de factos ocorrentes no intervalo das sessões e de trabalhos a fazer, conforme o programa do governo. Aquele género especial de literatura não exigia mais.
O rei anunciava às Cortes o que elas já sabiam: que havia boas relações entre Portugal e as outras potências; que prosseguiam as negociações para a concordata quanto ao padroado português na Índia; que se tinham trocado as ratificações do tratado de comércio e navegação com a República Argentina e da convenção com o Brasil sobre moeda falsa; que recebera muitas congratulações pela sua ascensão ao trono; que havia tranquilidade no país; que infelismente fora o território nacional invadido pela colera-morbus, procedente das povoações de Hespanha fronteiras à raia, comunicando-se primeiro aos distritos da Guarda e Bragança e depois às terras do norte e sul do Reino; que foram, por virtude da epidemia, suspensos os estudos públicos em Coimbra, mas que já se ordenara para este mês de Janeiro a sua continuação. Referindo-se à situação da agricultura, falava da moléstia das videiras, e para consolar o povo amigo do vinho, acrescentava que era de esperar que viesse a acontecer entre nós o que já se observava em outros países: o decrescimento e a extinção do mal que felizmente não ataca a vitalidade da planta». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.

Cortesia da UCoimbra/JDACT